Buck não havia feito sequer um ruído, e mesmo assim o lobo deteve seus uivos, captando sua presença. Buck avançou para o meio da clareira, um tanto agachado, com os músculos do corpo tensionados, a cauda reta e rígida, as patas tocando o solo com um cuidado fora do comum. Seus movimentos misturavam a sensação de ameaça que o tolhia com o desejo de fazer amizade com aquela criatura.
Mas o lobo fugiu de sua aproximação. Buck perseguiu-o aos saltos, ansiando loucamente por alcançá-lo. Correu através de um canal escuro, o leito de um riacho, onde uma barragem de madeira obstruía o caminho. O lobo girou sobre suas patas traseiras, do mesmo jeito que Joe fazia e todos os huskies encurralados, já rosnando, com os pêlos eriçados e as mandíbulas mordiscando contínua e freneticamente.
Buck não o atacou. Pelo contrário, fez uma volta em torno dele, cercando-o com avanços amistosos. O lobo era desconfiado e medroso -Buck pesava três vezes mais do que ele, e a cabeça do lobo mal chegava a seus ombros. Avaliando suas chances num combate, preferiu fugir em debandada, e a perseguição foi retomada. Tudo isso se repetiu várias vezes, já que o lobo se encontrava inferiorizado diante de Buck, que por sua vez não tinha facilidade em alcançá-lo. Ele fugiu em disparada, até que a cabeça de Buck estivesse quase à altura de seu flanco. Então, detinha-se, fazia um giro e esperava a primeira oportunidade para evadir-se outra vez.
No final, o lobo terminou por reconhecer que Buck não pretendia feri-lo e um começou a farejar o focinho do outro. Assim ficaram amigos e foram brincar pelos arredores, na forma meio nervosa e reservada com que as feras disfarçavam sua selvageria. Após algum tempo, o lobo afastou-se num galope moderado, demonstrando claramente que estava dirigindo-se a um lugar determinado e que desejava que Buck o acompanhasse. Lado a lado correram através do crepúsculo sombrio, até o leito do riacho, direto para dentro da garganta onde ele desembocava e através da aridez em que nascia.
No outro lado da cascata, desceram numa região plana onde se encontravam grandes extensões da floresta e muitos córregos. O dia já estava quente e o sol, alto. Os dois animais continuavam em sua corrida, explorando a mata. Buck estava selvagemente feliz. Finalmente, respondera ao chamado e corria agora junto de um de seus irmãos da floresta, rumo à origem daquela voz que aguardava por ele. Tudo aquilo ele já havia feito antes, em algum ponto daquele outro mundo tão vago do qual se lembrava, e agora reconquistara-o outra vez, correndo livre, a céu aberto, a terra sem fronteiras debaixo dos seus pés e com o céu sobre sua cabeça.
Eles pararam junto a um riacho de águas correntes para matar a sede, e foi quando Buck se lembrou de John Thornton. Sentou-se, então. O lobo prosseguiu em direção ao chamado, mas voltou para buscá-lo, farejando seu focinho e fazendo outros gestos, para encorajá-lo. Mas Buck voltou atrás, tomando o caminho de volta. Por praticamente uma hora, seu irmão das florestas acompanhou-o, ganindo suavemente. Depois disso, sentou-se, apontou o nariz para cima e uivou. Era um uivo de lamento que, enquanto Buck prosseguia em direção ao acampamento, foi ficando cada vez mais fraco, até que se perdeu na distância.John Thornton estava comendo seu jantar quando Buck alcançou o acampamento e saltou sobre ele, num frenesi de afeto, derrubando-o, rolando sobre ele, lambendo seu rosto e mordendo sua mão -fazendo-se de um verdadeiro idiota, como John Thornton costumava chamar tudo aquilo, enquanto sacudia Buck e o xingava carinhosamente.
Aviso!
Gente o capítulo 30e 31 trocaram de lugar automaticamente e eu não consigo concertar... o 31 está antes do 30.
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O Chamado Selvagem
ClassicsUma história que se passa no Alasca em uma época febril, onde homens e cachorros travam uma intensa luta entre a vida e a morte, à procura incessante por ouro. "O leitor se transforma num explorador, a ficção passa a ser uma descoberta emocionante."