Dali por diante, noite e dia, Buck não abandonou mais sua presa, não lhe deu nem sequer um momento de descanso. Nunca lhe permitia comer as folhas das árvores, nem os brotos de faias e de salgueiros. Não deu ao alce ferido a chance de saciar a sede torturante, nas ardilosas corredeiras que atravessaram. Muitas vezes, levado ao desespero, ele irrompia em longos galopes. Nessas ocasiões, Buck não tentava detê-lo, mas seguia-o de perto, tranquilamente, satisfeito com o andamento do jogo, deitando-se quando sua presa ficava quieta e atacando-a toda vez que tentava comer e beber.
A grande cabeça com seus galhos pendia cada vez mais baixa, os trotes ficavam cada vez mais arrastados, enfraqueciam-se. Ele permanecia parado por longos períodos, com o focinho apontado para o chão, e as orelhas caídas e flácidas, demonstrando o quanto estava dominado pelo desânimo. Era quando Buck aproveitava para beber água e descansar, muito ofegante, com a língua para fora e o olhar fixo na presa.
Enfim, no término do quarto dia, ele derrubou o grande alce e matou-o. Por um dia e uma noite permaneceu junto do animal abatido, comendo e dormindo, fazendo pequenas incursões pelas redondezas e retornando. Ele descansou, refrescou-se e refez suas forças e a seguir tomou o caminho para o acampamento de John Thornton. Cobriu o longo trajeto a galope, sem parar nem perder a direção, por horas e horas seguidas, com uma precisão de fazer vergonha a uma bússola.Ao aproximar-se de seu destino, algo tornou-o ainda mais consciente da nova pulsação que recebia da terra... Havia uma coisa viva ao seu redor, diferente daquilo que ele conhecera no verão. E não era apenas uma impressão frágil e misteriosa. Os pássaros falavam a esse respeito, os esquilos chilreavam e até a própria brisa comentava o assunto. Por várias vezes, deteve-se e aspirou o ar fresco da manhã, apreendendo uma mensagem que acelerava ainda mais seus saltos. Sentia-se opromido pela sensação de calamidade já acontecida e, quando atravessou a última vertente de água e penetrou no vale que dava no acampamento, começou a caminhar cheio de cautela.
Um quilômetro e meio à frente, farejou um rastro que fez o pêlo do seu pescoço ficar completamente arrepiado. Rumou diretamente para o acampamento, com passadas velozes, mas furtivas. Cada nervo do seu corpo estava carregado de tensão, atentos aos múltiplos detalhes de uma história que lhe estava sendo contada; faltava apenas seu final. Seu focinho oferecia-lhe uma descrição precisa da coisa viva que passara por ali, a coisa viva que ele vinha rastreando. Buck observou com atenção a gravidez silenciosa da floresta. Os pássaros haviam emudecido. Os esquilos escondiam-se; viu apenas um, esmagado contra o tronco de uma árvore, parecendo parte dela, uma excrescência vegetal da própria árvore.
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O Chamado Selvagem
ClásicosUma história que se passa no Alasca em uma época febril, onde homens e cachorros travam uma intensa luta entre a vida e a morte, à procura incessante por ouro. "O leitor se transforma num explorador, a ficção passa a ser uma descoberta emocionante."