Com uma rosnadela, que era parte latido parte gemido, ergueu-se novamente e lançou-se no ar. E uma vez mais recebeu aquele impacto que o achatou contra o solo. Dessa vez, estava ciente de que havia sido atingido pelo porrete, e a loucura que o possuiu não conhecia limites. Uma dúzia de vezes ele atacou e, em todas elas, o porrete baixou sobre ele, deitando-o por terra.
Após um golpe particularmente violento, rastejou sobre as patas. Estava zonzo demais e teve muita dificuldade em pôr-se de pé. Claudicante, cambaleou, com o sangue fluindo pelo focinho, pela boca e pelos ouvidos; seu belíssimo pêlo estava manchado de sangue e baba. Então, o homem avançou e deliberadamente o atingiu com uma pancada no focinho. Toda dor que suportara até então não era nada, comparada ao cruciante sofrimento de agora. Buck soltou um rugido, com a ferocidade de um leão, e atacou mais uma vez seu agressor. Porém o homem trocou o porrete de mão e, friamente, acertou-o por debaixo da mandíbula; ao mesmo tempo, aplicou-lhe um puxão violento para baixo e empurrou-o para trás. Buck descreveu um círculo completo no ar e mais a metade de outro, antes de se chocar de peito e cabeça contra o solo.
Pela última vez, Buck tentou surpreendê-lo, mas com um golpe que estivera guardando por todo esse tempo, o homem o fez desabar sem sentidos.-Ele leva jeito para domar cachorros! -berrou entusiasmado um dos homens, do alto do muro.
-Druther quebra um capeta desses por dia, e dois deles aos domingos! -explicou o condutor, quando subiu no vagão e atiçou os cavalos para que partissem.
Buck recuperou os sentidos, mas não a sua força. Ele deixou-se ficar onde caíra, observando o homem de agasalho vermelho.-Era chamado de Buck! -disse o homem para si mesmo, repetindo a frase escrita na carta que lhe fora remetida pelo gerente do saloon, notificando o despacho do engradado e seu conteúdo.
-Bem, meu garoto! Buck... -prosseguiu numa voz cordial.
-Tivemos algumas desavenças, mas o melhor é dar isso por terminado. Você já aprendeu seu lugar, e eu sei o meu. Seja um bom cachorro que todos nós vamos nos dar bem, e a vida continua. Seja um mau cachorro e arranco sua pele, está me entendendo?
Falava firmemente e ao mesmo tempo acariciava a cabeça que havia tão cruelmente espancado. O pêlo de Buck, involuntariamente, eriçou-se, mas ele suportou tudo sem maiores protestos. Quando o homem lhe trouxe água, bebeu avidamente, e mais tarde devorou uma refeição de carne crua, pedaço a pedaço, da mão daquele homem.
Estava esgotado e sabia disso. Mas não fora derrotado. Percebera sem nenhuma dúvida que não teria a menor chance contra um homem que tivesse um porrete nas mãos. Essa foi a lição que aprendera para o resto da sua vida. Aquele porrete lhe trouxera uma revelação. Foi sua entrada no reino primitivo e o primeiro contato com suas leis -apenas com parte delas. A vida mostrou-lhe um lado até então oculto, e ele procurara refletir sobre essa descoberta, valendo-se de uma argúcia que sua natureza recém despertara.
![](https://img.wattpad.com/cover/69690923-288-k251237.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Chamado Selvagem
ClassicsUma história que se passa no Alasca em uma época febril, onde homens e cachorros travam uma intensa luta entre a vida e a morte, à procura incessante por ouro. "O leitor se transforma num explorador, a ficção passa a ser uma descoberta emocionante."