Os três parceiros estavam num barco alongado, descendo um trecho particularmente difícil das corredeiras do Forty Mile Creek. Numa parada, Hans e Pete caminhavam acompanhando a margem, levando uma corda atada ao barco, no qual ia John. Enrolavam a corda nos troncos das árvores e assim, de tronco em tronco, prosseguiam, evitando que a correnteza arrastasse o barco. Thornton dirigia o barco com o auxílio de uma vara; ia gritando instruções para os dois na margem, onde também estava Buck, ansioso e preocupado, de olhos fixos no seu dono.
Num ponto particularmente perigoso, havia uma linha de rochas semi-submersas projetando-se acima da água. Hans afrouxou a corda e, enquanto John impulsionava o barco, correu pela margem para atá-la mais abaixo, quando o barco já tivesse se afastado das agulhas de rocha. Isso feito, e com o barco deslizando sobre a corredeira tão agilmente quanto um peixe, Hans resolveu testar a corda. Deu-lhe um puxão súbito e tão violento, que o barco virou e embicou para a margem, emborcado. Thornton foi lançado fora, e a correnteza carregou-o justamente para a parte mais arisca do leito do rio, uma corredeira feroz, à qual nenhum nadador poderia sobreviver.
Buck jogou-se no rio sem hesitação. A cerca de trezentos metros do local onde John caíra do barco, alcançou-o. Quando Buck sentiu John agarrado a sua cauda, foram engolfados por um redemoinho. Então, nadou com todas as suas forças em direção à margem. No entanto, a correnteza era muito mais forte do que ele. Um pouco mais abaixo começou a lhes chegar o rugido fatal do trecho no qual a correnteza se tornava ainda mais brutal, chocando-se contra as rochas dentadas, como se fosse um gigantesco pente. A força de sucção da água era assustadora, e Thornton compreendeu que não tinham chance de alcançar a margem. Tentou agarrar-se em desespero a uma rocha, acabou sendo arrastado contra uma segunda e finalmente foi atirado contra uma terceira, na qual conseguiu segurar com as duas mãos em sua borda escorregadia. Thornton soltou Buck e, mais alto que o barulho ensurdecedor, berrou:
-Vá, Buck! Vá!Buck não conseguia manter-se no lugar onde estava. Mergulhou, lutando desesperadamente contra a correnteza, mas não pôde voltar. Quando escutou Thornton repetir a ordem, ergueu a cabeça por sobre a água, para uma última olhada, e obedientemente, nadou. Esgotando suas energias, conseguiu aproximar-se da margem e foi resgatado por Hans e Pete. Daquele ponto do rio em diante qualquer tentativa de vencer a nado a correnteza era puro suicídio.
Hans e Pete sabiam que, em questão de minutos, John soltaria os dedos da rocha escorregadia e seria tragado pelas águas. Correram até um local acima de onde John conseguira se segurar e amarraram a corda com que vinham rebocando o barco no pescoço e nos ombros de Buck, com cuidado para não estrangulá-lo nem impedi-lo de nadar. Mandaram-no novamente para dentro da correnteza, e Buck nadou bravamente. Mas acabou desviando-se, em vez de atravessar o percurso em linha reta. Quando se deu conta do seu erro, era tarde demais. Passou ao lado de Thornton, a apenas alguns poucos metros de distância, mas a correnteza impediu Buck de alcançá-lo.
Hans recolheu a corda, rebocando Buck. O cão sentiu a corda tensionar-se e puxá-lo para baixo. Ficou submerso até ser trazido de volta, já na margem. Faltou pouco para ter morrido afogado. Conseguiu pôr-se de pé, mas tombou novamente. Então, a voz fraca de Thornton chegou até eles. Não podiam distinguir as palavras, mas era evidente que estava no limite de suas residências. O apelo de seu dono agiu sobre Buck como se fosse um choque elétrico. Ele saltou de pé, imediatamente, e correu até a margem, para o ponto de onde havia entrado na água, da vez anterior.
Novamente, a corda foi atada nele e Buck foi lançado ao rio. Lutou outra vez contra a correnteza, só que agora conseguiu nadar em linha reta. Não cometeria o mesmo erro pela segunda vez. Hans segurava a corda, evitando que Buck se embaraçasse, enquanto Pete a mantinha estirada. Buck manteve o nado, até que alcançou um ponto logo à frente de Thornton. Então, virou-se e, com a potência de um trem expresso, arremeteu-se em sua direção. Thornton o viu chegando e, quando Buck se chocou com ele, como se fosse um ariete, usou suas últimas forças para alcançá-lo e abraçar-se ao seu pescoço felpudo. Hans amarrou a corda em torno de uma árvore, o que fez Buck e Thornton serem puxados para baixo d'água. Esbarrando nas pedras, bebendo litros e litros de água, um rolando por cima do outro, arrastados no fundo, conseguiram afinal atingir a margem.
Thornton voltou a si deitado de bruços, sendo violentamente sacudido pelos golpes que os companheiros lhe davam nas costas. Sua primeira preocupação foi com o estado de Buck, cujo corpo jazia, aparentemente sem vida. Nig uivava lamentando-se, junto dele, enquanto Skeet lambia seu focinho e seus olhos fechados. Thornton estava quase morto de tanto cansaço. Examinou o corpo de Buck e descobriu três costelas quebradas.
-Está decidido! Vamos acampar aqui! -anunciou. E acamparam, de fato, até Buck recuperar condições de viajar.

VOCÊ ESTÁ LENDO
O Chamado Selvagem
ClassicsUma história que se passa no Alasca em uma época febril, onde homens e cachorros travam uma intensa luta entre a vida e a morte, à procura incessante por ouro. "O leitor se transforma num explorador, a ficção passa a ser uma descoberta emocionante."