Chapter 02

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Seu pai, Elmo, um enorme são-bernardo, fora companheiro inseparável do juiz, e Buck esforçava-se para seguir seu exemplo. Ele era menor do que o pai, pesava em torno de setenta quilos apenas, já que sua mãe, Shep, era um collie. Entretanto, seus setenta quilos somavam-se a muita dignidade, advinda de uma vida confortável e do respeito que todos tinham por ele. Era isso que lhe permitia conduzir-se segundo os costumes apropriados a sua realeza. Durante quatro anos, desde que era um filhote, viveu como um verdadeiro aristocrata. Possuía um refinado orgulho de si próprio, até mesmo um tanto egoísta, como são habitualmente os lordes da zona rural, devido a seu isolamento. Porém conseguiu escapar de tornar-se um mero cão doméstico mimado. O hábito de caçar e outras atividades similares ao ar livre livraram-no do excesso de gorduras e lhe proporcionaram músculos rijos. Para ele, assim como para outros cães de raças mais rechonchudas, o amor à água era um verdadeiro tônico, preservador da saúde.
Era assim que se encontrava Buck, no outono de 1897, quando a descoberta do ouro no Klondike trouxe homens do mundo inteiro para as geleiras do Norte. Porém, como Buck não lia jornais, não tinha como saber que Manuel, um dos ajudantes do jardineiro, iria trazer-lhe sérios problemas. Manuel tinha um vício incurável: adorava apostar na loteria chinesa. E, como todo viciado no jogo, sofria também de uma fraqueza: confiava em que poderia ganhar um dia, e isso é o que perpetuava sua maldição. Essa confiança lhe custava muito dinheiro, enquanto o seu salário de ajudante de jardineiro mal dava para sustentar sua mulher e a família numerosa.
O juiz fora a uma reunião da Associação dos Produtores Rurais. Os garotos andavam muito ocupados, organizando um clube atlético, na noite fatídica em que se deu a traição de Manuel. Ninguém viu quando Buck foi levado para os lados dos pomares -para ele, tratava-se apenas de mais um passeio. À exceção de um homem solitário, ninguém os avistou chegando à estação de trem chamada College Park. O tal homem conversou com Manuel e, daí algum dinheiro trocou de mãos.

-Embrulhe a mercadoria antes de entregá-la! -ordenou o tal sujeito, mal humorado. E Manuel passou a corda duas vezes em volta do pescoço de Buck, bem abaixo da coleira.
-Se você precisar torcer,vai poder esganá-lo logo! -instruiu Manuel. O sujeito respondeu com um grunhido afirmativo.
Buck aceitava a corda com sua dignidade costumeira. Para dizer a verdade, ficou um tanto confuso. Entretanto, estava habituado a confiar nas pessoas que conhecia e a dar-lhes crédito, por alguma razão que fugia ao seu alcance. Mas, quando a ponta da corda foi parar nas mãos de um estranho, rosnou ameaçadoramente. Estava meramente expressando seu desagrado, crente, em sua vaidade, de que isso era o suficiente para que fosse atendido, como se estivesse dando uma ordem.
No entanto, para sua surpresa, sentiu a corda apertando-lhe o pescoço, tirando-lhe a respiração. Furioso, avançou imediatamente contra o homem, que o enfrentou, agarrando-o pela garganta e atirando-o de costas ao chão. Então, impiedosamente, apertou ainda mais a corda, enquanto Buck lutava, possesso de raiva, com a língua já pendendo para fora da boca e o peito ofegante. Nunca, em toda a sua vida, fora tratado de forma tão brutal. E também jamais esteve tão enraivecido. Porém sua força ia diminuindo, os olhos tornavam-se esgazeados. Assim, nem notou quando deram o sinal para o trem partir e os dois homens o arremessaram para dentro do vagão.

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