Capítulo 3

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Choveu a noite toda.

 Quando acordei, apenas resquícios d'água pingavam no parapeito da janela. Não vi que horas fui dormir, mas já era quase manhã. Revirei no colchão durante horas, fechei os olhos, contei até cem muitas vezes. Mas só adormeci mesmo quando pus o fone de ouvido e uma playlist bem calminha.

-Bom dia, querida- Minha avó entrou, limpando os pés enlameados num pano na entrada, e tirou o seu avental de jardinagem- Dormiu bem?

Balancei positivamente a cabeça. Não queria lhe contar que minha primeira noite foi um inferno.

Nem imagino que horas ela acordou, mas a mesa já estava posta e ela parecia ter trabalhado no jardim por bastante tempo. Me servi com um pedaço nada modesto de bolo de laranja e uma xícara de café com leite.

-Nina- Uma versão mais limpa dela se aproximou- Estou indo fazer algumas compras. Gostaria de me acompanhar?

Enfiei o resto do bolo numa garfada única e limpando os lábios com um guardanapo, assenti. Subi correndo as escadas e pus a calça jeans com uma blusa grossa de lã.

***

Atire a primeira pedra quem não se apaixonou por Londres logo a primeira vista. Bem, eu sim. Quando minha avó me chamou, soube na hora que era uma proposta irrecusável. Ela me levou até uma feira de rua bem movimentada, cheia de barraquinhas rústicas e simetricamente posicionadas. As frutas eram tão bonitas, que pude jurar serem feitas de cera.

-Gosta de morangos?- Perguntou.

-Adoro.

Fomos até a sessão dos morangos. Eles eram perfeitamente vermelhos e rechonchudos, bem diferentes do que comia em casa.

-Lucy!- Alguém exclamou atrás de nós.

-Margot!- Minha avó sorriu- Quanto tempo, não?

-Ah, sim! Muito tempo. Desde o incidente com a Bethany, tenho evitado muito contato na vizinhança, entende?- Ela riu- E quem é essa moça?

-Minha neta, Valentina. Já esteve aqui algumas vezes.

-Oh, sim! Sim!- Bateu as mãos, virando-se para mim- A pequena Valentina. Como você cresceu! Está uma mulher! Belíssima! Belíssima!

Corei. Não sabia ao certo como reagir, por isso, apenas sorri.

-Quase me esqueço- Levou a mão à cabeça- Hoje à tarde vamos nos reunir na minha casa para um chá. Não fazemos isso desde dezembro, e tenho muitas novidades para por em dia- Sussurrou, chegando um pouco mais perto, com um sorriso largo no rosto. Sinta-se a vontade para ir também, Valentina. Será muito bem vinda!

A senhora terminou de pegar os seus morangos e se despediu com um aceno. Era baixinha e rechonchuda, com os cabelos grisalhos e penteados. Usava um chapéu engraçado e casaco de crochê, lilás, como os seus olhos.

-Margot é uma velha fofoqueira- Minha avó comentou- Mas tem um bom coração. Vou entender se não quiser ir- Pegou a carteira na bolsa- Afinal, uma jovem no meio de tantas senhoras de idade...

-Não tem problema. É sério.

Não tinha amigos ou para onde ir. Além disso, eu realmente queria passar um tempo com ela. Mesmo que cercada de muitas outras velhinhas fofoqueiras como Margot.

***

Voltando para casa, me deparei, pela janela do carro, com aquela porta vermelha do dia anterior. Era estranha a curiosidade que ela me proporcionava. Talvez pela falta de vitrine ou informação, ficava mais misteriosa. Adorava um mistério!

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora