Capítulo 6

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Moxie me mostrou o seu mapa astral. Ela nasceu no dia vinte e cinco de janeiro, por isso, é aquariana. Combinando com todas aquelas outras informações, sua lua é em Áries e ascendente em sagitário. Aquilo ainda me era um pouco estranho, mas durante toda a volta para casa, reflito se realmente era possível descrever uma pessoa através de estrelas. Ela diz que seu mapa astral a mostra como alguém com muita fé em suas ideias e crenças, não necessariamente religiosas, e principalmente, nas fantasiosas. O absurdo lhe fascina. Mas o que ela mal sabia é que ela era capaz de deixar alguém completamente fascinado. Moxie recuperava em mim o que eu havia perdido e sequer me dado conta. Sorrisos espontâneos e risadas calorosas.

Naquela noite a minha mãe me ligou. Ela ainda estava abatida, mas parecia um pouco mais lúcida do que quando parti. A conversa seguia o seu fluxo regular, até certo momento.

-Você está diferente, Nina.

-Diferente como?- Passei a mão pelo cabelo, desconfortável.

-Eu não sei. Fez algo no cabelo? Está usando maquiagem?

-Não. Nada.

Pausou, mas seus olhos enormes ainda encaravam a tela de maneira abstrata. Procurava em mim um singelo traço incomum que viesse a identificar.

-Bem, talvez eu esteja mesmo enlouquecendo e seu pai estava certo esse tempo todo.

-Não diga isso. Eu te amo, tudo bem? Preciso ir, está tarde.

-Eu também te amo, Nina.

Nos despedimos e fechei o computador. Eu sentia tanto a sua falta. Não pelo contato físico em si, pois por mais próximas fisicamente que estivéssemos nos últimos anos, nossas almas estavam anos luz de distância. Mas sinto saudade da sua vivacidade, seu carinho e suas histórias, que me embalavam num sono profundo e gostoso quando eu era menor. Sinto falta do que nós éramos.

***

Quem conhece a minha família e nossa história conturbada, chega minimamente à conclusão que somos grupo desequilibrado emocionalmente com "problemas irreconciliáveis". Contudo, nem sempre foi assim.

Meus pais são de auras opostas, e por muito tempo, esse contraste era divino. Era o preto e o branco, traçado e pintado numa folha de papel. Se conheceram muito jovens e naquela época, tudo era mais intenso. Ela, loira da praia, bonita de natureza e alma de pipa. Ele era garoto de condomínio, fechado numa realidade só dele, com o seu ciclo de amigos e sua vida circular. Moraram na mesma cidade e frequentaram a mesma escola, mas sequer trocavam palavras. Ele dizia que sempre a observou de longe, incrédulo da existência de tanta beleza num só corpo. Ela nega. Diz que sua presença era indiferente, mas aos seus olhos, ele era a única coisa que lhe chamava a atenção numa sala. Ele nega.

Foi na faculdade que tudo aconteceu. Tão rápido e tão inconsequente. E em determinado momento, ninguém lembrava o que era Rodrigo sem Marcela e Marcela sem Rodrigo. Minha mãe engravidou no último semestre da faculdade de jornalismo, por isso, com muita pressa e pressão da família, casaram-se numa cerimonia pequena na praia. Alguns meses depois, ela sofreu um aborto espontâneo, e eu perdi, sem ao menos, existir, o que seria o meu irmão. Ela entrou em depressão por alguns meses, insistindo que aquilo não era para si. Essa vida, o casamento, filhos, nada parecia se encaixar.

Foi a primeira rachadura.

Com terapia e apoio incansável do meu pai, ela se recuperou menos de um ano depois, e a jovialidade nos dois voltou. A paixão parecia se instalar ainda mais voraz que da primeira vez. E eles amavam, e amavam e viviam enquanto podiam. Alguns anos depois eu nasci. Eles dizem que foi o dia mais feliz de suas vidas, mas às vezes, ainda tenho dúvidas.

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora