Capítulo 2

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Primavera britânica.

Olhando pela janelinha, percebi que já era manhã –tanto tempo no avião deve ter me desestabilizado –totalizando um pouco mais que vinte e quatro horas de voo. Queria ter visto a cidade pequeninha e o Big Ben de lá do alto, mas eu dormi e só acordei mesmo porque o chacoalhar da nave aterrissando era desesperador. Limpei a baba seca do meu queixo (me pergunto quanto tempo ela deve ter ficado ali) e esperei a massa de desesperados pegarem suas bagagens de mão e saírem. Odeio todo aquele movimento de saída.

Acho que fui a última a deixar o avião. Era engraçado; meu estômago fazia um rebuliço estranho e por mais frio que estivesse, senti meu corpo encharcar de suor. Eu estou em Londres, repeti mais vezes do que gostaria. E a sensação engraçada só aumentava.

-Com licença, onde fica a esteira de número 4?

Agradeci internamente aos meus pais por me colocarem cedo no curso de inglês.

Uma mulher extremamente branca de cabelos igualmente pálidos sorriu e, depois disso, não entendi mais nada. Ela falava tão rápido com seu sotaque acentuado, numa língua que podia jurar que era qualquer uma que não inglês. Fiz a minha melhor cara de entendida, agradeci e saí numa direção bem aleatória.

-Mocinha!- Ela exclamou- Para o outro lado!

-Ah, claro! Obrigada!

Aquilo sem dúvidas estragou o meu disfarce. Com toda a vergonha do mundo, girei os calcanhares, abaixei a cabeça e andei, dessa vez, na direção certa.

A esteira 4 estava logo ali e de longe vi a minha mala vermelho-cereja, dando voltas e mais voltas no meio de tantas outras. Arranquei-a com um único movimento, muito orgulhosa da minha força súbita.

Minha mãe falou que meus avós estariam me esperando, mas, sinceramente, eu temia não reconhecê-los. Doze anos é tempo demais.

Mas lá estavam eles, segurando uma plaquinha com meu nome escrito na caligrafia desajeitada do meu avô. Meus olhos se encheram de lágrimas e não pude evitar, corri até eles, com mala e tudo.

-Valentina!- Ele exclamou com sua típica rouquidão- Não pode ser! Cadê aquela garotinha que me pedia bala de leite e histórias para dormir?

-Ela cresceu, Roger- Minha avó respondeu, dando dois beijinhos em minha bochecha- E muito bem! Você está belíssima!

-Obrigada- Respondi tímida- Eu estava com tanta saudade.

-Nós também, querida- Ela me abraçou.

***

Meu avô foi dirigindo e minha avó estava na carona. Mantemos uma conversa leve durante o percurso, mas de vez em quando, fugia e me pegava de olho na paisagem. As ruas, as casas, e até as pessoas. Era como estar num set de filmagem daquelas muitas histórias que me pegava assistindo, ou até mesmo lendo, e me imaginando como uma personagem. E agora era real.

O carro parou numa ruazinha residencial de casas grandes de modelo vitoriano. Não mudara nada. Ajudei meu avô com as malas e as arrastei pelo curto gramado até a porta de entrada. O lugar tinha cheiro de infância. Consegui ver a 'pequena eu' correndo pela sala de entrada e brincando de boneca ao pé da escada durante o natal, insistindo que daquela vez, Papai Noel não me escaparia. Mas como todas as outras vezes, dormi e só acordei no dia seguinte, em minha cama, frustrada e ansiosa pelo ano seguinte.

-Quer que eu te mostre o quarto?- Minha avó perguntou enquanto arrancava a echarpe do pescoço e pendurava o casaco.

-Não precisa- Sorri- Eu me lembro.

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora