Capítulo 4

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Mais uma vez, estou naquele desdobramento de lojinhas. Tinha quase certeza que lembrava o caminho até aquela específica. Reconheci a padaria e a maior parte da paisagem ao redor. Novamente, me deparo com aquela figura esquisita que era a tal porta vermelha. Provavelmente, a maior coisa que poderia me acontecer caso entrasse ali seria o grande risco de pegar tétano. Fora isso, não esperava mais que um brechó.

Quando a empurro, um sininho soa e ecoa pelos quatro cantos. Creio que foi a primeira nos últimos tempos. As paredes do recinto eram pretas e cobertas por pôsteres antigos de bandas como Nirvana, Green Day e The Offspring, que podiam competir em idade comigo. Expostos e empoeirados, uma coleção interminável de discos, dentre eles, os extintos vinis, que permaneciam intocados. Não era um lugar muito grande, mas talvez pela solidão, parecesse um labirinto sem fim. Ao final, um balcão com uma caixa registradora e algumas bugigangas por uma libra.

Passeei de fileira em fileira, observando atentamente cada álbum e suas datas de lançamento. Estava organizado por ano de estreia, o que me surpreendeu bastante. Toco em cada um, apreciando a textura que já havia me esquecido existir. Era tudo muito nostálgico; foi como entrar numa máquina do tempo e aterrissar entre os anos oitenta e noventa, de volta ao tempo do Rock'n'roll, do punk e do grunge. Mas tinham materiais ainda mais antigos, bandas desde os anos sessenta e um pouco antes, até.

Me perco entre as datas, numa verdadeira viagem no tempo. Não sei quanto tempo fiquei ali, encantada, por tudo aquilo.

-Legal, né?- Uma voz me projeta para trás, num pulo, provocando um único grito de extremo terror.

-Meu Deus! De onde você surgiu?- Minhas mãos comprimiam o peito, antes que o coração saltasse dali.

A figura riu, não respondendo a pergunta. Seguiu para trás do balcão, onde pude finalmente enxerga-la claramente sob a luz. Uma garota alta e bem magra estava apoiada sobre as mãos, me observando atentamente, com apenas um fone de ouvido plugado na orelha. Seu cabelo era azul piscina, ainda que a raiz fosse preta e parecia ter sido cortado pela própria. Era meio desregular, por mais que parecesse muito legal em si. Ela usava uma camiseta do Kiss e uma gargantilha no pescoço.

-Estou mais interessada em saber de onde você surgiu. É a primeira alma viva que aparece aqui nos últimos três meses- Ele riu desdenhosa- Além de mim, é claro.

Puxou um maço de cigarros e me ofereceu. Recusei ainda me recuperando do susto. Acendeu o seu e o levou até a boca, deixando um cheiro insuportável no ar. Talvez eu preferisse o mofo habitual.

-Eu disse para ele- Tirou o objeto da boca e continuou- Isso aqui não vale a pena, sabe? Mas ele insiste em manter. Diz que quer preservar essa arte esquecida- Revirou os olhos e balançou a cabeça impacientemente- Meu pai é bem teimoso. Gene forte! Não é atoa que eu o herdei- Apagou o cigarro no próprio balcão.

Observei a cena cautelosamente.

-Sou Moxie- Ela falou.

-Nina.

-Seu nome é Nina?- Ela riu.

-Bem, o seu nome é Moxie?- Repliquei.

Moxie ficou parada, me encarando de maneira curiosa. Por um segundo, achei que fosse ficar ofendida, mas ela respondeu lentamente.

-Morgana Brighton. Mas não gosto do meu nome.

-Valentina Montenegro.

-Bonito nome.

-O seu também.

-Não precisa ser educada- Riu.

-Não estou- Respondi seriamente.

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora