Capítulo 12

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Um mês.

Minha alma já se adaptara completamente àquele lugar. Acho que se voltasse para o Brasil, minha casa não seria mais casa. Meu quarto não seria mais quarto, e principalmente, minha realidade não seria real.

Acordar com respingos na janela não poderia ser mais normal.

Repasso mentalmente mais uma vez minha seleção de músicas para a apresentação no final da semana e prometo a mim mesma que aquele dia não terminaria enquanto não ensaiasse cada uma delas.

Ensaio por quase duas horas até me sentir completamente segura.

Procuro por minha avó, mas ela não estava em casa. Meu avô estava em mais uma de suas viagens de pesca com Rob, nosso vizinho, e ele não voltaria até a semana seguinte. Aquela casa ficava tão só com apenas o meu corpo a preenchendo. Era solitário. Sair talvez fosse a melhor opção. Não tinha um lugar em mente, só andaria aleatoriamente até que minha mente se sentisse vazia novamente. A companhia dos estranhos na rua minimizava a sensação de solidão. Gostava de observa-los e criar para eles histórias que não passavam de invenção da minha cabeça. Como o senhor da padaria, que acredito manter uma relação extraconjugal com a mulher do caixa, ou o carteiro, que supostamente vive num apartamento pequeno, mas sonha em ser um advogado bem sucedido. Não sei o que me levava a pensar naquilo, mas era realmente divertido e até um pouco triste.

Abro o guarda-roupa para pegar o meu moletom novo e me deparo com aquela velha caixa. Nunca mais a peguei. Com cuidado para que não caia, arrasto-a e a ponho no chão. Resolvi guarda-la ali para minimizar o acumulo de poeira. Remexo a procura de algo novo. Encontro um papel velho, mas diferente da maioria, ele estava perfeitamente dobrado em oito partes. Era a caligrafia da minha mãe e estava datado: dois anos antes do meu nascimento.

É estranho, mas ainda posso senti-la aqui, dentro de mim. Era uma menina, eu sei disso. Não sei como, mas sinto nos meus ossos o seu coração palpitar. Ainda posso sentir seus pezinhos contra a minha barriga e seu sorriso, ainda que não se formasse literalmente, estava lá. Sei, pois quando ela sorria, eu sorria também e sabia que estávamos conectadas de alguma maneira. Ela ainda não tinha nome, mas teria se estivesse aqui. Ela não tinha cabelo, mas teria se estivesse aqui e sei que seria loiro como o meu. E ainda que não estivesse aqui, ela tinha amor. Desde o momento que ela era só um grãozinho do tamanho de uma unha. E ela foi embora sem que eu pudesse dizê-la o que sinto em palavras. Mas ela sabia em alma que era o projeto de pessoinha mais amado que já existiu.

Preciso contar a ele, não é justo com Rodrigo torna-lo amargo e infeliz por algo que ele não tem culpa alguma. Ela levou consigo toda a luz, o brilho e a vida. Levou minha alma para onde quer que tenha ido, e só lá estou completa.

Não quero continuar com isso. Não é para mim. Ele merece ser feliz como acredito que nunca mais serei. Merece encontrar uma mulher disposta a amar como eu amei e sonhar como eu sonhei.

Seria demais pedir para toca-la uma única vez? Ver seus pezinhos brincarem e os dedinhos balançarem. O sorriso dele no rostinho dela, meus olhos e a boca de coração. Ensina-la e ama-la em todas as dimensões e proporções. Carrega-la em meus braços como se segurasse outra parte de mim. Quero ama-la por completo, mas ela se foi e me deixou só.

Meu peito aperta e sufoca-se. Era doloroso. Senti as lágrimas brotarem e rolarem como chuva pelo meu rosto. Queria poder abraça-la, abraçar a minha mãe e a minha irmãzinha. Queria conforta-las em meus braços, como uma manta quentinha e gostosa, e protege-las, como uma armadura de aço. Acredito que nem um terço da dor que minha mãe sentiu estava exposto naquela folha. Era muito pior lá dentro; era escuro e frio. Fico feliz em saber que ela recuperou sua vivacidade um tempo depois, mas aquela carta era a prova que, mesmo por um segundo, ela deixou de existir.

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora