Prólogo

754 41 3
                                    


Era o primeiro dia de outono. As primeiras folhas do jardim começaram a amarelar e o clima se tornou ameno rapidamente. Madrugadas como aquela eram raras; frias e silenciosas, com exceção do miado manhoso do Pulguento da vizinha, assim batizado, por ser um gato cinza de pelo ralo e pequenos riscos cicatrizados que trouxe da rua. Era um pouco assustador, mas de personalidade extremamente dócil. Minha única companhia durante aquelas madrugadas, que acredito serem suas preferidas também.

Mais para o fundo da casa estava o meu lugar favorito para tais condições. Um coreto, construído há pouco mais de dez anos, se não me engano. A estrutura branca já estava um tanto gasta, com algumas pilastras já descascando, e os detalhes superiores já perdiam o tom rosado, se tornando quase um amarelo envelhecido. Mas ainda era lindo. Uma verdadeira casinha de bonecas, onde eu costumava passar minhas manhãs quando criança e minhas tardes, já mais velha, sempre com um bom livro em mãos. Mas boa parte das lembranças nostálgicas foi enxaguada com a finalidade mais recente do meu coreto. Um refúgio. Era para lá que fugia quando tudo começava novamente. Longe o suficiente para que os gritos se tornassem breves sussurros. Corria pelo extenso campo de lírios da minha mãe –o seu refúgio –em direção a ele e esperava que tudo terminasse. Foi assim nos últimos  anos, até que, finalmente, pôs-se um fim naquela bola de neve.

Começou muito antes, com pequenas discussões disfarçadas de comentários sarcásticos, em seguida, grandes brigas expostas tomaram o seu lugar, até que em determinado momento, meus pais pararam. Não havia mais palavras de ódio ou gritos rancorosos. Isso porque eles simplesmente deixaram de se falar. Sequer se olhavam, para ser sincera. Não passavam de perguntas e respostas superficiais em tons secos. Até o Natal do ano anterior, quando meu pai finalmente pediu o divórcio.

E onde eu estava no meio disso tudo?

Existindo, ainda que mais ninguém parecesse perceber.

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora