Capítulo 20

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-Ponha uma roupa, vamos à cidade- Ele diz assim que adentra o quarto.

Não posso negar que havia uma pontinha de raiva dele naquele momento, guardada e protegida em meu peito, mas, utilizando o que me restara de sanidade, prefiro ignorar.

-Achei que seus pais não quisessem sair esta noite. Todos estão ocupados com a preparação para o jantar de ensaio amanhã.

-Nós vamos, eles não.

Guardo o exemplar de Morro dos Ventos Uivantes, que comecei naquela tarde, e apenas busco um casaco quentinho para me cobrir.

O dia atingira o meu ponto preferido; aquele momento em que o céu está róseo e inicia a transição de tarde para noite.

Mason dá partida e, mais uma vez, estamos à caminho da civilização. Era estranho, mas me isolar num lugar como aquele, mesmo que por pouco tempo, tornava o convívio com multidões algo exótico.

As palavras saem da minha boca sem permissão.

-Mason, acha que devemos continuar com isso?

-Com o que?- Perguntou sem muita importância.

-Isso- Insisti, gesticulando e apontando para nós dois- Nós não somos um casal e você não precisa ficar preso à essa mentira. Pense na oportunidade que você pode estar perdendo.

-Você está falando sobre Bree?

Seu tom mudou rapidamente. Eu apenas assenti com a cabeça.

-Nina... –Ele suspirou- Brianna é maravilhosa. Ela é bonita, engraçada, inteligente, talentosa... Mas já passou pela sua cabeça que eu não estou com ela porque eu não quero estar? Talvez tenha lhe ocorrido que nós não assinamos nenhum contrato, nem estou sendo mantido em cativeiro, refém do nosso combinado- Ele pressionou ainda mais o volante- É complicado...

-Explique, então.

-Você, mais do que ninguém, sabe do que estou falando.

-Quero ouvir da sua boca. Quero ouvir suas palavras.

-Eu tento me apaixonar, me envolver com alguém. Eu quero me entregar de corpo e alma para alguém, quero ser refém de um sentimento avassalador e indomável como o amor. Já tentei. Com muitas, admito. Mas no final do dia...

-Seu verdadeiro amor é a liberdade- Complementei.

-Exato- Umedeceu os lábios- E por isso, soube que você seria a pessoa certa para me acompanhar nessa viagem. Você está tão apaixonada quanto eu.

Aquilo era o que eu precisava ouvir. Mason não seria capaz de compartilhar tal sentimento comigo. Não naquele momento, acredito. E talvez eu não estivesse pronta também. Considerado os últimos anos e as experiências que assisti da poltrona de casa, onde amor e ódio eram confundidos num mesmo corpo, eu estava vulnerável.

Duas peças iguais não montam um quebra-cabeça.

-Aonde nós vamos?- Tentei mudar de assunto.

-Não sei ainda. Pensei em voltarmos naquela taberna. Vi uma garçonete ruivinha que poderia ser a minha cobaia-amorosa número 345.

-Você é ridículo, sabia?- Dei tapinhas no seu ombro enquanto tentava não rir de tamanho absurdo.

***

Poderia descontar minhas angustias e confusões na bebida. Realmente poderia, mas não faço. O álcool jamais seria capaz de inibir sentimento algum, apenas acomoda-lo por uma quantidade maior de tempo. É quando se torna um ciclo-vicioso, e a cada resquício de sua presença, as doses são aumentadas, numa tentativa frustrada de negação. Como eu disse: frustrada. Sei disso, pois meu pai teve o seu momento de frustração motivado pelo álcool, e essa é uma fase que preferi apagar de minha mente, temendo que a sua imagem fosse para sempre desconstruída.

Nem Tudo São FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora