Capítulo 1

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     " Seus olhos negros marcantes reluziam fúria, andava de um lado para o outro com as mãos finas sobre a cabeça, parecia preocupada. Ela e papai discutiam.

[...] O que será dos nossos filhos, Elise? dizia papai com a voz embargada, nunca tinha o visto desta forma.

E o que eu posso fazer? Não há outra solução! — responde mamãe com a voz trêmula, mas ao mesmo tempo tentando demonstrar firmeza.

     Sobre o que será que estavam falando? E por que discutiam? Seja lá o que for melhor não me intrometer. As discussões se tornaram algo comum aqui em casa, talvez não fosse nada de importante. Passo no quarto de Mattew e pouso um beijo sobre sua testa, o mesmo havia nascido uma criança forte e agora já estava com um mês.

     Vou para o meu quarto sonolenta e quando estou quase fechando os olhos vejo alguém cruzar a porta e depositar um beijo estalado sobre minha bochecha. Era mamãe, ela fazia isso todas as noites. Mas o que eu não sabia era que aquela seria a última noite. "

     Se deparar com tais lembranças certamente é algo complicado para mim, porém ao decorrer dos anos passei a lidar de melhor forma com isso. Não me passa pela cabeça qual foi o motivo pelo qual minha mãe resolveu nos deixar, e apesar disso, toda magoa que guardava pela mesma se dissipou. Hoje já não vivo remoendo as coisas passadas, pois encontrei o caminho em Deus, e tudo se fez novo.

[...]

— Sté, levanta! — ecoa a voz aguda, no mais profundo de meu interior chego a pensar que tudo não passava de um sonho, até que o ato se repete. — Vou chegar atrasado, Sté! — movimento lentamente meu corpo para o lado e vejo um par de olhos castanhos me fitando, certamente aquilo era o que mais alegrava pela manhã;

     Hoje era um dia especial, após anos finalmente Mattew ingressaria na Pré-Escola, o que alegrou-o de todas as maneiras.

— Tudo bem, meu amor. — exclamo, sonolenta. Com a energia de uma criança agitada o mesmo levanta-se, dando pulos de alegria. Por um momento para, até que se coloca à minha frente e me dá um abraço. Matt realmente me surpreende cada dia mais, chego a me sentir mal por todo o tempo que desperdicei longe dele.

     Quando enfim termino de arrumá-lo seguimos com nossa caminhada, em direção ao colégio do pequeno, que não se encontrava tão longe daqui. Com os passos acelerados Mattew me deixava numa situação complicada, quase como se não conseguisse acompanha-lo. No momento em que chega a um ponto especifico o mesmo retrai, abrindo um largo sorriso quando se depara com a pessoa a sua frente.

— Tio, Lucca! — profere, alegremente. Desde a morte de meu pai Lucca tem sido um excelente amigo, nos ajudando de todas as formas possíveis, o que certamente fez com que Mattew criasse um vínculo muito grande com ele.

— Ei, garotão! — exclama, levando o pequeno homenzinho as alturas.

— Você sabe para onde eu to indo? — indaga, com uma cara engraçada, trazendo um ar de "mistério" a situação.

— Hum, deixe-me ver... para escola? — pronuncia, como se já não soubesse.

— Você acertou! — sorri.

— Bom, e como é que não saberia? Você não parou de falar nisso a semana inteira. — gargalha

— Puxa vida! É mesmo. — retribui o ato.

— Ester! — volta seu olhar a mim.

— Oi, Lucca. — sorrio. — Bom, vou ter que levar esse homenzinho aqui, antes que se atrase em seu primeiro dia de aula, não é Matt? — propõe, pegando a mão do garoto.

— Isso aí! — exclama, alvoroçado.

— Até mais, Lucca. — digo, e o mesmo assente. Lucca e eu estudamos na mesma Universidade, há um ano iniciei minha graduação em Letras, enquanto o mesmo cursa fisioterapia. Por conta do estágio, minhas horas na universidade se tornam mais longas.

[...]

     A voz grave do professor de Francês ecoava intensamente em meus ouvidos, prestava o máximo de atenção na aula, afinal na próxima semana haveríamos de ter uma avaliação. Todo o falatório se encerra no momento em que é anunciado o fim da aula, levando todos a saírem freneticamente da sala.

— Então, o que temos para hoje, Ester? — Sophie surge inesperadamente por trás de mim, fazendo-me cambalhotar de certa forma.

— Bom, não sei você, mas eu tenho expediente hoje. — sorrio, sarcástica.

— Puxa vida, que chato! Então por que não saímos após o expediente? — propõe, com uma cara convidativa, na qual me levou a gargalhar.

— Por que está fazendo essa cara? — indago, ainda rindo.

— Você não respondeu a minha pergunta. — exclama, cruzando os braços.

— Vou para o culto à noite. Quer vir comigo? — proponho.

— Não sei, acho melhor não. — reluta. Inúmeras vezes lhe fiz o mesmo convite, porém a mesma negava. Sempre que lhe falava a respeito de Deus Sophie parecia estar realmente almejando aquilo, porém é como se algo a prendesse. Apesar disso tento ser o mais compreensiva possível, sei que não sou eu quem irá convence-la, e sim o Espirito Santo.

— Ei, lindas. — Yuni surge, dando-nos um susto.

— Vocês definitivamente precisam parar com isso! Eu posso ter um ataque, sabiam? — dramatizo.

— Nem um pouco dramática, não é Ester? — gargalha Yuni.

— Claro que não. — cruzo os braços, sorrindo. — Bom, meninas preciso ir. — anuncio.

— Mas já? — profere Yuni, cabisbaixa. A mesma chegou na cidade a poucos meses, nos conhecemos na igreja o que nos proporcionou uma maior interação, desde então viemos criando um vínculo muito grande. Me despeço de ambas e sigo rapidamente até a biblioteca.

[...]

     O silêncio veemente se instaurava com tremenda intensidade no local, o movimento na biblioteca era algo na qual não seguia um padrão, havia dias que o local se preenchia por completo de pessoas, já outros tudo que permanecia eram meus pensamentos silenciosos, como estava a acontecer hoje.

     No momento meus olhos mapeavam cada letra presente no livro, certamente agora era um instante oportuno para viajar no mundo da leitura.

     Me desprendo de tais pensamentos quando um som de passos começa a ecoar no local, ergo meus olhos e retraio meu corpo quando me deparo com a figura a minha frente.

— Você?

Meu SalvadorOnde histórias criam vida. Descubra agora