Algo inesperado

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As palavras de Paul me pedindo perdão, ainda estavam ecoando em mim, quando tudo fica escuro. Sinto a picada da agulha se esvaindo, mas a dor ainda está aqui, porém distante. Posso ouvir vozes, a de Charllote, principalmente.

- Vou coletar uma parte do líquido que envolve o cérebro, será rápido o teste para vermos as possibilidades. - diz ela.

- Não demore, vá rápido com isso! - diz Olavo.

- Não a machuquem! - posso ouvir Paul, e o som de metal batendo, na certa, ele está se contorcendo, tentando se soltar da maca. Alguém tenta contê-lo, ele grita. Então mais barulho alto - Não, não, me soltem!

O barulho continua, acredito que muitos são necessários para contê-lo, Paul é de fato muito forte, mas depois, só o som de bips, que devem vir dos monitores que estão usando para controlar seus batimentos cardíacos.

Tento abrir meus olhos, mas tem algo nas minhas pálpebras, será fita adesiva? Sinto meu corpo, mas não consigo mexer minhas mãos, nem pés, Charllote deve ter dado sedativo direto na função cerebral, não sou dona mais de meus movimentos. Apenas escuto, sem poder falar. Uma dor lancinante atinge minha cabeça. Não! Estão mexendo no meu cérebro, o cérebro de Evangeline. É isso! Eles querem o cérebro dela, para então colocarem em Paul e ajustarem sua função interna. É o que falta para o problema de abstração de energia que os órgãos humanos de Paul causam.

De repente me sinto inútil, estão roubando o que tenho de mais precioso, e nada posso fazer. O que direi ao professor? Eu fracassei!!

Enquanto estou deitada, nessa maca fria, inerte, me vem a imagem dos doentes do hospital na primeira vez que os visitei, e Nícolas entre eles. Todos debilitados, subnutridos, corpos magros deitados em suas camas, entregues à própria sorte de seus corpos, esperando que este reaga aos antibióticos. Pessoas tristes de olhares opacos, sem esperança. E então uma visita, um toque de conforto, um sorriso desinteressado, alguém que apenas esteja ali, os ouvindo e tudo muda, seus corpos reagem, a medicação faz seu efeito. Pessoas vivas, andando ao sol, saindo de alta, o sorriso de Nícolas em seu rosto...

Me lembro de Guaraqueçaba, crianças e velhos doentes, uma vila de pescadores inteira assolada. E depois de apenas alguns dias, as crianças estão brincando, correndo nas ruas, idosos antes desenganados, estão se alimentando. Lembro da música e as palmas cantadas de alegria e gratidão.

Lembro a tribo de Caian, crianças magérrimas, deitadas em redes, desnutridas, idosos entregues à Tupã. Então em dias, a tribo em festa, a grande fogueira, a dança do guerreiro...

Tudo que fiz, me deu alegria, me aqueceu por dentro de alguma forma que não sei explicar. Faria tudo novamente, mesmo que isso tudo, me trouxesse aqui de novo. Porquê alguns seres humanos não se alegram com esse tipo de coisa? Porque essa busca por poder e fama, é maior para alguns do que a sobrevivência e o triunfo de sua própria espécie?

Não sei quanto tempo fico perdida nessas lembranças, mas escuto barulho de vidros quebrando, porta de metal batendo, com certeza alguém está invadindo o local pelo andar de baixo. Então ao meu lado som de instrumentos sendo largados à esmo. Charllote sai apressada, posso ouvir seus passos rápidos se afastando. O sons de bips, diminuindo e parando. A maca de Paul sendo sacudida e empurrada às pressas.

Quem invade o prédio? Onde está Paul?

A invasão não está sendo feita pela polícia, ou teria ouvido o som de sirenes e tiros. Quem invade essa antiga fábrica de tecidos, está lutando com as próprias mãos.

- Onde ela está? Fala agora, ou vou te arrebentar inteiro e depois não terá a chance de dizer mais nada! - ouço a voz... Nícolas? Ele está aqui.

Eva Em Busca Da Humanidade (Concluído e Será Revisado) #wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora