— Amélia! Amélia! Você ainda está aqui?
— Me desculpa Patrick, estava pensando em algumas coisas.
— Está se lembrando do acidente não é?
— Eu não posso evitar...
E não podia mesmo. Eu me lembrava de cada detalhe todos os dias como se tivesse acontecido ontem mesmo. O choque, a batida, o olhar perdido de Jonah. Eu não podia esquecer, porque se eu esquecesse, seria como deixar para trás tudo que vivemos todos os aniversários, os abraços e beijos babados, todas as risadas e todas as pirraças que ele fazia. Lembrar era a minha forma de me punir, e principalmente de não esquecê-lo.
Patrick é meu único parente (pelo menos o único que ainda considero meu parente), meu único amigo e confidente, meu primo que amo mais que tudo. Ele me ajudou naquele dia, e me ajuda ate hoje. Não há um dia em que ele não me visita para ver como estou e sempre me chama pra sair com ele e Joe, seu namorado, e sempre eu recuso. Não me sinto no direito de me divertir enquanto Jonah esta em um cemitério.
— Olha Amélia, depois de amanha é seu aniversário e eu queria perguntar se vo...
— Patrick - eu disse cortando sua pergunta - você sabe que eu vou recusar, não sei porquê ainda pergunta. - terminei rindo da minha péssima piada.
— Eu sei que você vai recusar qualquer coisa que eu te ofereça, mas na verdade eu queria perguntar, já que você geralmente não faz nada no seu aniversário, e Joe esta chegando de viagem justo esse dia, e você sabe, eu quero passar um tempo sozinho com ele, só que ele esta vindo com o seu irmão mais novo, e como já te disse, não sei, se tipo você não tiver algo que fazer esse dia..
— Fala logo Patrick o que você quer! - falei já irritada com a sua enrolação.
— Será que Cristopher pode ficar aqui na sua casa por uns três dias? - e como sempre ele fez o seu tão famoso olhar de cachorro pidão, olhar que eu estou tentada a resistir.
— Olha Pat, não sei se é uma boa ideia. Faz tempo que eu não cuido de uma criança, desde que você sabe... - falei engasgando no final da frase.
— Você nem vai notar a sua presença, Cris é na dele e ele tem uma mania de limpeza, de modo que você vai ter empregado grátis também! - e ele fez o seu outro olhar famoso, no qual ele levanta as duas sobrancelhas umas duas ou três vezes.
— Ok Pat, eu vou pensar! Mas não me encha o saco, por favor.
Eu não cuidava de uma criança desde Jonah, e eu não sei se poderia cuidar de alguém, me traria lembranças, e isso não era nada bom. Depois do acidente, eu fiquei quase um ano com depressão, tentei me matar tantas vezes que acho que poderia entrar no livro dos recordes, e se não fosse por Pat, eu estaria junto ao meu filho há algum tempo. Isso seria difícil, mas quem sabe também não seria uma forma de me superar.
Decidi pensar melhor na forma que eu mais gosto: mergulhada em uma banheira com meus sais de banho preferidos. Coloquei uma musica suave para tocar e tentei relaxar o máximo possível, coisa que me era difícil nesses dias. O banho estava tão gostoso que cochilei alguns minutos e enquanto cochilava, tive um sonho estranhamente lindo: Jonah estava sentado em seu triciclo e conversava comigo me olhando direto nos olhos, ele me dizia para ficar tranquila que tudo sairia bem e que ele sempre me protegeria dos "meninos maus".
Acordei algo assustada, algo maravilhada, e tomei minha decisão nesse mesmo instante.
******
— Alô? - respondeu um Patrick meio sonolento.
— Oi Pat, sou eu, queria conversar com você, sobre o que me perguntou hoje de manhã.
— Ah! Pode falar eu sou todo ouvidos. -Agora ele já estava mais acordado.
— Então, acho que não tem problema o irmão mais novo de Joe ficar aqui alguns dias, até que você e esse seu namorado grudento possam colocar o "papo" em dia. -digo dando ênfase na palavra papo.
— Mas que ótima noticia Amélia! Estou muito feliz, eu vou falar hoje mesmo com o Joe, eles chegam amanhã, o vôo adiantou, e ele vai ficar muito feliz, você vai adorar o Cris!
— Tranquilo e respira primo, que eu só aceito por três dias, nada mais nada menos. Falei tentando soar o mais inflexível possível.
— Ok, prima. Mas você vai ter que dar uma limpadinha que ele é meio traumatizado com a limpeza.
— Olha Pat, ele é meu convidado, ele que se adapte. Tenho que ir, beijos nos vemos amanhã.
— Tchau meu amor, e Amélia?
— Sim?
— Eu te amo viu!
— Eu também te amo seu idiota.
Meu Deus! Era isso. Eu ia cuidar de uma criança. Decidi dar uma pequena arrumada para que o pequeno não pensasse que ia viver em um chiqueiro. Passei todo o dia limpando, aspirando, passando pano em tudo que é móvel. Enfim acabei fazendo uma faxina geral em casa. Por sorte eu estava de férias uma semana pelo meu aniversario e meu chefe era tão compreensivo, que sempre me dava uma semana para eu me recuperar do dia. Aproveitei para lavar minha roupa, meus sapatos, enfim tive um dia de dona de casa completo. Pena que dia vinte e seis eu teria que voltar para meu trabalho, estava me acostumando à vida de folgada.
No final do dia Amélia Regins estava um caco. Estava tão cansada que acabei dormindo no sofá lendo um livro e tomando uma taça de vinho. Acordei na metade da noite com um pesadelo que vinha tendo quase todos os dias desde o acidente, Jonah me culpando por eu não ser cuidadosa com ele, por não protegê-lo, por abandoná-lo e por não ter morrido no seu lugar. Senti minha roupa molhada e meu coração batendo a mil. Passei a mão no meu rosto para apagar a lembrança e senti minhas lagrimas derramadas ainda fazendo seu caminho por minhas bochechas. Subi para meu quarto, lavei meu rosto, coloquei meu short de dormir e deitei na minha cama que agora se sentia vazia sem meu anjinho para dormir comigo. Com medo de dormir e ter o mesmo pesadelo novamente, decidi ver uma serie no Netflix até não conseguir aguentar ficar com os olhos abertos.
Toc toc toc
Que sonho estranho que eu estava tendo, e os sons eram tão reais que podia jurar que eram a alguns metros de mim.
Toc toc toc
Outra vez esse som. ESPERA! Não era um sonho! Levantei o mais rápido que pude e sai correndo ao banheiro a lavar meu rosto e minha boca, com certeza eram Pat, Joe e o Cris.
Toc toc toc outra vez
— JÁ VOU! Gritei colocando minha blusa e minha calça jeans azul que mais parecia um trapo de tão rasgada que estava, mesmo assim eu adorava aquela calça.
Desci as escadas correndo e ao chegar no final bati com meu dedo mindinho do pé na quina de uma mesinha que tinha com uma foto minha e de Jonah sorrindo felizes para a câmara com nossos sorvetes gigantes.
— AIIII! Gritei de dor enquanto abria a porta.
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Amelia
RomanceA pior dor que uma mãe pode sentir, é a dor da perda de um filho. Amelia sentiu na pele o que era ter que se despedir da pessoa que ela mais amava no mundo todo. Após anos de solidão, ela não esperava era que um engano fosse mudar toda a trajetoria...