Capítulo 18 - BRIAN

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 Tudo vai mudar
Nada permanece o mesmo
Ninguém é perfeito
Oh, mas todo mundo é culpado  

(In My Veins - Andrew Belle)

Voltar para o Rio nunca foi um grande problema para mim. No entanto, depois de tanto tempo, voltar para o exato lugar em que eu morava há cinco anos, é uma onda de lembranças e dores sem fins.

Pegar o elevador e me lembrar de tantas e tantas vezes que eu a Rebeca nos encontramos aqui, estar na recepção do prédio e me lembra do dia em que a vi com aquele menino, logo de manhã cedo, se beijando do outro lado das grades... E então me lembrar do dia em que ela saiu correndo pela rua e foi atropelada.

Entrar no apartamento dos meus pais e me lembrar do dia chuvoso em que a resgatei da rua e revelei mais de mim do que qualquer outra pessoa conhecia... E do dia em que ela entrou aqui e me contou que já sabia de toda a farsa de Cecília.

Não me culpo totalmente por não termos tido nem a chance de ter um relacionamento. Ela também teve seus momentos ruins. Mas eu com certeza fui – no mínimo- 95% no mínimo responsável de não ter dado nada certo.

E agora eu lido com as consequências disso. Já fazem 4 dias desde que eu mandei o e-mail com tudo que meu coração segurava. Já revelei para elas tantas coisas que sinto, que senti ao longo desses anos, mas sempre em fragmentos, sempre pequenas verdades contadas isoladamente. Ali, naquele e-mail, naquela declaração digital, eu abri meu coração completamente. Deixei que as pontas dos meus dedos teclassem coisas que nem eu mesmo tinha pensado antes.

E enviei sem sequer ler mais uma vez. Claro que depois de apertar o botão azul que estava escrito "enviar" eu li o e-mail dezenas de vezes. Mas em todas elas ele apenas parece simplesmente certo. Não me arrependo de nada que escrevi, nem fico remoendo coisas que poderiam ser ditas. Aquilo sou eu, o mais oculto e sensível eu.

Mas até agora não obtive resposta, o que eu já esperava. Mas parte de mim ainda ansiava com uma esperança estupida que ela mandasse algo. Nem que fosse um "me esquece" ou seu convite de casamento como prova de que eu já era. Mas a resposta foi nada. Justamente o que lhe disse ao fim do e-mail, foi o que ela fez para confirmar o que eu já temia. Ela não quer que eu a escreva de volta. Que eu sequer pense nela.

Esse seria um bom momento para fazer minhas malas e ir para Milão. Ligar para o Mike e a Jéssica e embarcarmos em mais uma aventura, dessa vez há milhares quilômetros de distância. Dizem que conhecer um novo lugar e reiniciar sua vida cura qualquer alma. Mas eu achava que precisaria de muito mais do que isso para esquecer a Rebeca: eu precisava nascer de novo.

Mas não custava tentar, né? Ir para um lugar diferente, me dedicar novamente de corpo, alma e coração à minha profissão que tanto batalhei, iniciar novos projetos, reestruturar-me, iniciar novos relacionamentos... Quem sabe começar algo sério e duradouro? A vida não iria me esperar, o tempo não iria parar e a Rebeca não iria voltar. Essas eram minhas três certezas até o momento.

O único porém era que eu não podia fazer isso agora. E estava sem a menor previsão de tempo para poder colocar meus planos em prática. E isso só fazia com que eu me corresse por dentro. Abro a porta do apartamento antigo e sinto um péssimo cheiro vindo dele. Um cheiro de antigo. Não sei há quanto tempo meus pais não vem aqui, mas a estante tem bastante poeira e a casa um péssimo cheiro. Não é de estranhar que minha mãe tenha me pedido para voltar antes dela e do meu pai e esperar a diarista vir para arrumar as coisas. Até eu que não tinha câncer nem sequer uma renite alérgica ou qualquer coisa do tipo estava ficando doente só de entrar na sala... Imagina o resto do apartamento.

Abro as cortinas, as janelas e ligo as luzes. Tiro o plástico que cobre alguns dos moveis mais importantes, mas depois disso eu não sei nem por onde começar a ajeitar as coisas. Então apenas sento no sofá, que era um dos moveis privilegiados que estava coberto pelo grosso plástico preto, e então começo a mexer no celular até que Stela, a diarista contratada pela minha mãe, chega.

Infelizmente, ela não me deixa na moleza e me obriga a trazer tudo que é pesado para a casa. Escadas, baldes com agua, baldes com diversos tipos de produtos dentro e demais objetos que eu não faço ideia de para quem servem e muito menos como se usam.

Quando é cinco e meia e Stela já se foi eu me encontro completamente acabado, mas revigorado por poder estar em uma casa que cheia a carro novo e não a um porão de cinquenta anos. Vou ao supermercado e faço compras, mas depois disso não há mais nada para se fazer. Então durmo.

Acordo com um beijo na minha testa. Eu poderia reconhecer esse perfume de qualquer lugar. Doce, suave e característico de minha mãe. Ela passa a mão por meus cabelos e então vou um pouco para o lado, de forma que ela possa se sentar e eu colocar minha cabeça em seu colo. Como sinto falta disso.

- Sabe, Brian. – Ela começa a falar e reparo que está respirando fundo. Nos últimos dias essa é a sua forma de conversar, sempre em pausas e avaliando as palavras, respirando fundo e prendendo as lágrimas, depois dando desculpas esfarrapadas para se trancar no banheiro. – Você tem que conversar com ele...

Olho para a parede em minha frente. Não me atrevo a olhar para ela, com seus olhos doces e cheios de súplica.

- Ele está morrendo, filho. – Ela diz isso e então sinto uma lagrima que não veio dos meus olhos, cair em minha bochecha. – Você não pode deixar que ele parta sem ter uma conversa, você não se perdoaria, Brian. Eu sei que não.

- Me perdoar? – Me levanto do seu colo e me atrevo a olha-la, seu rosto está molhado e vermelho, seus olhos cansados e cheios de dor. – Ele que tem que me pedir perdão. Eu não carrego culpa nenhuma.

- Brian. – Ela fala com suavidade e então segura minha mão, penso em puxar de voltar, mas sei que isso a magoaria e eu não posso mais magoar ninguém que me ama, tenho que romper com esse costume idiota. – Seu pai é orgulhoso, filho. Ele sempre vai ser assim, sempre foi e eu acredito que as pessoas mudem, mas não acredito que ele vá mudar mais. Acreditei nisso por muitos anos, mas agora minha esperança já está acabando. Mas eu acredito que você não vai se tornar uma pessoa igual a ele. Você apenas precisa quebrar com esse ciclo, ou então a amargura vai te corroer a ponto de você ser incapaz de lidar com os próprios sentimentos. Ele te ama, você é nosso único filho, fruto de nosso verdadeiro amor, um amor que durou para sempre, que cumpriu a promessa feita no altar a mais de vinte anos atrás. Ele ama você, ele apenas tem um jeito torto de mostrar isso.

Ela me dá um beijo na testa e então se levanta. Me jogo na cama mais uma vez e penso naquilo por mais de uma hora. Estou com eles há 4 dias e até hoje não parei para conversar com meu pai, por vezes fui vê-lo enquanto dormia, o que era a maior parte do tempo, e já o vi acordado, mas sempre quando estava assistindo TV ou jantando ou conversando com mamãe sobre algum assunto burocrático. Nada com sentimentos envolvidos. Eu sequer sabia como me aproximar do meu pai sem ter medo de sua reprovação e comentários desanimadores. Eu sequer sabia como falar com ele sobre meus sentimentos. Para mim seu coração era de pedra. E para ele, o meu era igual.

Mas eu sabia, que tinha a plena convicção de cada coisa dita por minha mãe era verdade. Lidei com meu orgulho por muito tempo e em muitas ocasiões, com as mais diversas pessoas. Não abri mão e apenas engoli mais e mais ego, até que fui perdendo tudo que achava que era especial e importante. Eu sabia que no futuro isso iria me corroer. E talvez esse fosse o primeiro passo importante a dar para conseguir quebrar com todas essas barreiras que parecem me sufocar.

Levantei, abri a porta do quarto e segui pelo corredor, coloquei minha mão na maçaneta dourada e pensei comigo mesmo "é pela minha mãe, é pelo meu futuro, é pelas pessoas do meu futuro" e então a girei.

Just a Life // COMPLETO // Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora