Capitulo 20 - BRIAN

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 Em algum lugar no meio dessa amargura

Eu teria ficado com você a noite toda

Se eu soubesse como salvar uma vida  

(The Fray - How to save a life)

Nas ultimas semanas o medo me corroeu. Eu sempre estava em hospitais. Desde pequeno ou eu estava em um hospital ou estava brincando que estava em um hospital. Ser filhos de médicos sempre me deixou perto de pessoas doentes, com seus olhos tristes, suas expressões cansadas. E sempre me deixava com pais que nunca tinham muito ânimo para me colocar nas costas e sair correndo pela casa.

Depois que nasci sei que meus pais reduziram muito o tempo trabalhando, mas ainda assim a rotina deles sempre foi corrida. Mas acho que de todos esses tempos nenhum foi mais cansativo aos meus pais do que o que passamos na ultima semana. A cada dia o câncer parecia piorar, fomos várias vezes ao hospital até o momento em que resolvemos interna-lo. Minha mãe chorou como nunca.

E então os médicos o mandaram para casa. E ela chorou mais do que antes, como se fosse possível. E eu chorava como nunca, quando fechava a porta do meu quarto, passava a chave duas vezes, encostava e caia ali, com as costas na porta e as mãos socando o chão. Sabíamos que mandar alguém para casa era uma sentença de morte.

Não sei pelo que chorei ao certo. Mas acho que foi o acumulo de tudo. Tudo que eu poderia ter feito para ter melhorado minha relação com meu pai, todas as vezes que fui irresponsável e deixei que ele cultivasse algum tipo de raiva por ter um filho como eu. Chorei pela minha mãe, que sempre boa e de coração amável, agora tinha que ver seu marido morrendo na cama que dividiu por mais de vinte anos com o mesmo. Chorei por saber que estava sozinho. Minha mãe tinha a mim para chorar, e eu tinha apenas uma porta para me encostar.

E quando me dei conta, os dias passaram vagarosamente. No e-mail eu avisei a Rebeca que iria embora. E eu estava esperando sua resposta. Sabia que a essa altura ela já tinha lido, relido e então apagado, talvez até já tivesse marcado a data do seu casamento e estivesse experimentando vestidos de noiva. Enquanto isso eu andava pela casa tentando conter minhas lágrimas com o clima de morte que se aproximava.

Minha mãe forçava seus melhores sorrisos, apertava a mão do meu pai e falava tudo que eles deveriam fazer quando ele saísse daquela cama, quando a cura chegasse (embora milagre seja a palavra mais adequada para tal situação, mas milagre refere-se a algo impossível e tudo que menos precisávamos pensar agora era que aquilo era impossível). Meu pai balançava sua cabeça em afirmação e sorria, às vezes ele acrescentava algo a sua lista.

E eu o admirei mais do que nunca. Porque eu não podia imaginar a dor que ele passava a cada vez que andava pela casa, a cada vez que levantava os braços e o passava pelo pescoço da minha mãe, a cada vez que ele contava alguma história e a fazia rir. Porque ele, mesmo com toda a dor no corpo e no coração, ainda fazia de tudo para vê-la bem, na medida do possível.

E então, em uma quinta-feira às cinco da tarde, ele me chamou em seu quarto. Estava editando algumas fotos e sai correndo achando que algo tinha acontecido, minha mãe havia saído para a farmácia e pedira que eu ficasse atento, pois cada dia ele andava pior, sabíamos que a hora estava batendo em sua porta, por mais que doesse a gente já tinha que aceitar a realidade.

- Você é um garoto incrível. – Ele disse com a voz fraca, apertava minha mão e sua testa franzia várias vezes enquanto ele tentava respirar, não se pela dor que seu corpo sentia a cada hora ou se porque as lagrimas estavam insistindo em vir ao seu rosto. – Sempre fui duro com você Brian, e você sempre teve suas doses alta de rebeldia, mas eu amo você mais do que tudo na minha vida porque você é um pedaço de mim e eu sei que vou morrer, ainda hoje, talvez, mas eu morrerei feliz em saber que você cresceu e tem uma carreira, mas morrerei ainda mais feliz se souber que você vai parar de sofrer e ir atrás do que te faz feliz.

Tudo que eu conseguia era apenas balançar a cabeça e respirar fundo enquanto agradecia em sussurros. Meus olhos já ardiam de tanto chorar, embora eu não contasse isso a ninguém.

- Faça sua viagem, vá atrás do que te faz bem. Faça suas malas e compre suas passagens, não espere por mim e eu sei que sua mãe entenderá. – Ele apertou minha mão uma última vez e respirou fundo. Fiquei alguns minutos com ele ali, sentei na poltrona ao lado da sua cama, editei as fotos naquela tarde enquanto ele via o filme.

Naquela madrugada, ele se foi.

E os dias seguintes seguiram com um pesar que dominava até o ar da casa. Minha mãe já lidou minhas vezes com a morte, ela é médica, ela muitas vezes teve que avisar aos seus pacientes que estava na hora de fazer tudo o que sempre teve vontade e já teve que servir de ombro para familiares que acabaram de sentir o gosto amargo da perda.

Mas nem se ela fosse médica por mil vidas ela saberia como agir naquele momento. Então durante três dias ela saiu do quarto uma vez para tomar banho, após grande insistência. No quarto dia, ela almoçou de verdade, embora tenha vomitado tudo em seguida. E no quinto suas olheiras diminuíram mais. No sétimo dia ela me expulsou de casa.

- Você não precisa mais ficar aqui, querido. – Meus pulmões pareciam pesar toneladas porque a respiração ficava cada vez mais difícil. – Eu vou me mudar, vou voltar para a casa na praia e ficar por lá até que as cosias se ajeitem dentro de mim.

Eu apenas concordei. Não porque queria deixa-la só, mas porque tinha prometido a ele, horas antes de sua morte, que iria atrás da minha felicidade, que iria viajar, iria sair daqui e seguir em frente. E também porque eu sabia que tudo que minha mãe menos precisava naquele momento era de mim, de fato.

Então eu comprei minhas passagens, sem volta. Liguei para o Mike, que não me atendeu nas duas primeiras tentativas. Só quando passei para o Skype que ele resolveu falar comigo. Sua posição relutante só o deixou quando eu falei que meu pai havia morrido. Apesar da relutância seu coração se amoleceu (não que eu estivesse querendo jogar sujo fazendo chantagem emocional com meu pai morto, mas precisava ter alguma carta na manga).

Em seguida liguei para a Jéssica e descobri que ela e o Mike não se falaram desde que aconteceu tudo aquilo. No mesmo dia mandei eles virem para o Rio e vieram.

Empacotamos novamente as coisas da minha mãe, arrumamos a casa e deixamos como estava quando entrei por ela tantos dias atrás.

E a cada hora eu abria meu e-mail, esperando uma resposta, esperando um sinal de luz, esperando um "fica" ou um "te amo ainda", mas nada. E a cada hora meu coração se decepcionava mais um pouco. E a cada hora mais se aproximava a viagem e o gosto de adeus tomava conta de mim, meu coração insistia em querer desistir, mas o que mais eu poderia fazer? Já não estava mais em minhas mãos.

Então eu só teria que esperar mais algumas horas para poder ir embora sem olhar para trás, como ela fez há 5 anos. Saio da varanda onde a brisa do mar consegue refrescar até mesmo meus pensamentos e vejo minha mãe, Mike e Jéssica rindo enquanto tomam chá. 

- Desculpe interromper esse momento agradável - falo, sorrindo - mas temos que começar a nos arrumar para ir embora. Amanhã de manhã cedo partiremos e antes de meio dia pegamos o voo, e já são sete da noite... 

Minha mãe balança a cabeça e revira os olhos, a Jéssica faz sinal para que eu me sente e escute mais uma história, que possivelmente eu conheço. 

Just a Life // COMPLETO // Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora