Capitulo 23 - REBECA

2.6K 264 18
                                    

Isto é tudo que eu sempre quis/ Mas a vida entrou no meu caminho/ Você é tudo que eu sempre quis/ Eu não vi como isso poderia mudar/ Que algo estava faltando até hoje (John Tyree - All I Ever Wanted)

Eu sou muito planejadora. Embora não pareça. E minha vida seja uma bagunça. Dentro da minha mente mil coisas estão em listas, cada lista em uma sessão mental. Eu perco às vezes até horas antes de dormir pensando e organizando meus próprios pensamentos e sentimentos. No metrô, no ônibus, no táxi. Enquanto fazem meu cabelo, a maquiagem e muitas vezes até mesmo quando estão me fotografando. Não sou maníaca, ou isso é alguma doença, mas a falta do que saber fazer na hora certa, da ação inesperada, do imprevisto, da boca sem palavras e a mente vazia, tudo isso me deixa em um profundo pânico, com o qual ainda não aprendi a lidar.

E é assim que me sinto quando o vejo ali, com seus olhos fechados, um leve sorriso tímido querendo sair de seus lábios, mas suas expressões são duras, seu maxilar enrijecido e suas mãos apertando a xicara. Sem querer ser presunçosa, eu sei que ele está pensando em mim. Fico ali analisando a situação por alguns segundos enquanto tento ter coragem para falar algo. Penso até mesmo em sair de fininho, descer as escadas e ir embora. Mas isso não faria o menor sentido, sei que é apenas meu pânico de não saber como agir tomando conta de mim. Outro fato, além de ser planejadora é que eu simplesmente penso em coisas idiotas quando o pânico me ataca.

Eu ensaiei, é claro que sim, e não me faltou tempo para fazer isso. Quando chegue ao Rio era quase três horas da manhã, corri para meu antigo prédio, pedi que o motorista andasse o mais rápido possível, pisasse com vontade no acelerador (achei nesse momento que a adrenalina já iria me fazer descer do carro e me obrigaria a ir correndo), pegasse atalhos. Cada estalo que fazia com a língua dentro da boca indicando minha insatisfação, cada semáforo vermelho e cada vez que ele andava igual um camelo no deserto que não bebe água há meses, eu me tornava mais impaciente e dava alguma solução, que obviamente ele não acatava. Acho que ele deve ter pensado que estava sob o efeito de drogas. Meus olhos vermelhos e o rosto cansado de um dia de trabalho e uma noite não dormida não me ajudavam em nada, e disso eu tinha certeza.

Toquei o interfone 500 vezes até que o porteiro despertasse de sua soneca e me atendesse. Até conseguir explicar quem era, tenta fazê-lo se lembrar de mim e justificar minha presença àquela hora da madrugada, foram-se minutos. E minutos, parada tentando falar com uma pessoa, explicar uma situação mais do que improvável, enquanto a adrenalina parece consumir seu corpo, devo admitir, é uma situação agonizante.

Vi que era o mesmo porteiro que cinco anos atrás, ele me olhava curiosamente, perguntava por detalhes do mundo por trás dos flashes (como ele mesmo disse), tentava responder carinhosa e saudosamente, mas cada segundo jogando conversa fora era ainda mais aterrorizante.

Quando por fim consegui me desvencilhar de suas perguntas mais inoportunas, pedi que avisasse no apartamento do Brian que eu estava ali. Melhor, que tinha alguém precisando dele nesse exato momento. Mas então ele me olhou como se eu fosse uma louca (eu deveria pelo menos ter lavado meu rosto e tirado toda aquela maquiagem), mas como eu já desconfiava, ele não aguentava uma boa fofoca e me contou sobre tudo que acontecera. A volta, a morte, e ida à casa de praia. Nenhuma menção da viagem. Meu coração deu alguns pulos de alegria em não ter mencionado nada, isso mostrava que eu tinha alguma chance. Chance de encontra-lo.

Pedi o endereço e ele me olhou assustado. Não tinha imaginado aquilo. O rosto daquele senhor, que nem deveria estar mais trabalhando, estava apreensivo e me olhava com cautela enquanto eu tentava inventar alguma desculpa em cinco segundos para não parecer suspeita demais.

- Sabe, eu era muito amiga do Brian quando morava aqui, o senhor deve se lembrar, claro. – Dei meu sorriso mais convincente, ele levantou suas sobrancelhas em um gesto não muito amigável como quem quer dizer um "ô se sei", senti meu rosto enrubescer. - Mantivemos um vínculo durante meu período fora e como o senhor, bem informado que é, já deve estar sabendo fizemos um ensaio juntos e houve uma bomba que preciso contar urgente a ele. É coisa de trabalho.

Ele ainda parecia desconfiado, mas jurei que se ele me fizesse tal gentileza eu mandaria uma revista autografada. Barganha. Chantagem. Tanto faz. Nesse momento toda minha dignidade já estava indo de ralo a baixo. Parecia que eu tinha 16 novamente, não que eu fosse uma adulta, modelo internacionalmente reconhecida e requisita.

Ele escreveu o endereço que entreguei ao táxi que chegou uns quinze minutos depois. Eu sabia que daqui a pouco o sol já apareceria, enquanto íamos cada vez para mais longe dos prédios, as luzes dos postes, dos carros, dos outdoors iam se apagando e dando lugar às nuvens super claras, parecidas com bolas de algodão, sombreadas por uma luz amarela vindo do sol, que ainda não tinha dado a honra de sua presença.

Quando abri meus olhos novamente eu estava já sentindo o cheiro da praia. Aquele aroma que acalma, a agua com sal, o som das ondas quebrando na areia, pássaros voando. A cidade parecia uma espécie de paraíso recluso, particular. Pessoas andavam pela calçada, o mar ao fundo. Senti-me em um seriado californiano do final dos anos 90.

E então ele me veio à mente. O motivo de eu estar naquele cenário. E a adrenalina veio em doses no meu corpo. Sentia-me nervosa, o efeito calmante do mar já não fazia mais efeito. O taxista não precisou ir muito longe até me deixar em uma casa branca, bem estilo de praia, de série dos anos 90.

Paguei, peguei minha mala e desci do carro. Respirei fundo algumas vezes e fui vagorosamente andando pela areia enquanto ora tentava puxar minha mala (e assim quase a estragando) ora tentando pega-la nos braços (e me dando conta de que tinha acabado de ganhar um problema de coluna naquele mesmo instante).

Mas tudo isso sumiu da minha mente quando eu o vi. Ele parado ali. Seus olhos fechados, sua expressão conflituosa. Meu coração acelerava, mas me sentia em paz. E então aqueles olhos abriram, me focaram, me senti exposta, mais exposta do que posando de biquíni em um cenário fake com mais de 20 pessoas me analisando. Mais exposta do que já mais me senti em toda minha vida. Parecia que eu queria fugir da minha própria pele.

Demorou segundos, ele parecia processar o que via, como se não acreditasse. E quem acreditaria? Nem eu mesma parecia que estava ligada na realidade. Depois de tanta correria, de tanta adrenalina, tanto nervosismo, tudo parecia ter esfriado e eu estava aqui, com ele, meus sentimentos em um turbilhão e minha boca seca, garganta rouca sem motivo algum.

Quando penso em falar algo, abro a boca e chamo seu nome, ele se levanta repentinamente. Segura meus braços com força, não do jeito que machuca, mas de uma forma que eu sinto que meu lugar é ali. Que eu devo estar ali. Não poderia estar em nenhum outro lugar. Mordo meu lábio inferior, ainda hesitante, com os olhos ardendo, lembranças vindo a mente, seu cheio invadindo minha narina, confundindo-me. Então sua mão passa por meus cabelos curtos, ele segura uma mecha loira próxima ao meu rosto, a palma de sua mão tem o encaixe perfeito em minha bochecha e seus lábios foram feitos para tocarem nos meus.

Just a Life // COMPLETO // Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora