Encenação

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Profissionalismo_ conjunto de características que compõe um profissional, formado por suas competências, responsabilidades e ética, no que rege o seu campo de trabalho.  


Uma mulher desconhecida está a olhar descaradamente na minha direção.

Tem os cabelos loiros volumosos, em ondas suaves até quase o fim dos seios e estes são bem ajustados por um vestido carmesim justo e curto. Os olhos azuis estão sobressaídos por uma maquilhagem preta esfumaçada e as pestanas são longas e espessas. Os lábios finos foram pintados por um vermelho escuro e as suas pernas esguias seguram-se em cima de uns saltos pretos brilhantes. O vestido carmesim é justo e realça as suas curvas sem deixar de ser reservado e profissional. O decote não é profundo e o tecido chega até um pouco acima do joelho. No entanto, não é por isso que a mulher me é desconhecida.

Aquilo que eu não consigo encontrar em lugar nenhum da imagem que o espelho me devolve é o nervosismo avassalador que se encontra no seu interior. Os meus ossos parecem ser gelatina e o meu estômago um comboio a vapor. Será possível estar mais nervosa? Apesar disso, a mulher do espelho arqueia a sobrancelha num sinal de desafio descarado. Não percebo como consigo aparentar tanta calma e segurança...

Levo a mão até o cabelo, ajeitando uma mecha e a mulher emita-me. Fico satisfeita por o resultado ser o pretendido. A minha entrada no Hospital de St. Hope tem de ser triunfal.

Verifico as horas no meu relógio de pulso e surpreendo-me ao ver que já estou um pouco atrasada. Devo ter ficado a admirar a minha imagem no espelho mais tempo do que pensava... Viro-lhe costas e pego na minha bolsa preta enlaçando-a. Fecho a porta de vidro e corro para o meu Saab.

O Hospital de St. Hope é um grande edifício espelhado. Quase todas as suas paredes e andares são feitos de vidro refletor, que me impede de ver o que se passa lá dentro. A fachada principal tem uma grande placa a dizer "St. Hope" e com uma inscrição mais pequena quase vergonhosa com o nome do antigo diretor, "Theodore Cloney". Mal posso conter a minha empolgação quando imagino o meu nome a substituir o dele. Apesar de o grupo St. Hope ser dirigido por três membros principais, Carl e mais dois senhores, as decisões relativas a cada hospital em especifico, são definidas pelo diretor clínico geral. Apenas quando a situação financeira chama a atenção da administração, é que eles fazem notar o seu poder e voltam a colocar o centro hospitalar nos eixos.

Durante a semana que passei no Havai, decorei inúmeros mapas do hospital, os quais me permitem o acesso a qualquer local que eu pretenda dirigir-me. Estaciono o meu Saab o mais perto possível da entrada do hospital e verifico a minha maquilhagem no espelho do carro. Os olhos azuis mostram-se inseguros e eu reprimo um gracejo.

-Calma, Kate! – suspiro. – Não caias dos saltos e já é o suficiente para isto correr bem!

Os olhos azuis arqueiam-se e eu rio-me de mim própria. Forço-me a segurar a minha bolsa e a sair do carro. Uma ambulância está a chegar ao mesmo tempo que eu, e uma maca com um menino em pleno sofrimento é levada para dentro do refúgio hospitalar. O meu primeiro instinto é ir lá e ajudar, mas lembro-me a tempo de que a minha missão hoje não é essa.

Ainda é cedo. Falta pouco para as nove da manhã, a hora em que os turnos mudarão e eu anunciarei a minha chegada. Pedi a Jack que passasse a palavra a todo o pessoal hospitalar de que haveria uma reunião e espero que ele o tenha feito.

Os olhares dos médicos são desconfiados enquanto passo por eles num passo seguro e regular. Sinto-os cravados nas minhas costas enquanto viro de corredor em corredor, tentando não me enganar e rezando para não me perder.

FROM KATEOnde histórias criam vida. Descubra agora