Noitada

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Preocupação_ Perda do sossego, causada pelo sentimento de responsabilidade em relação a; cuidado.


Fiz uma franja. De tempos a tempos, o meu aspeto físico fatiga-me e eu sinto-me obrigada a mudar de estilo. Desta vez a vítima foi o meu cabelo. É claro que aproveitei para depilar as pernas, arranjar as unhas num tom vermelho escarlate e fazer a massagem mais relaxante da minha vida. Tenho de admitir que esta última parte foi motivada pelas duas horas intermináveis que passei desde as cinco da manhã com Yuri, o meu personal trainer, no ginásio. Não, não foi apenas um capricho do meu ego.

Aliás, as três seções semanais e as corridas diárias pela praia estavam a dar resultados. Na minha querida e velha Inglaterra, eu era conhecida no meio do meu círculo de amigos pela que janta lasanhas congeladas e tem pacotes de batatas fritas com sabor a presunto vazias no banco de trás do carro. Ora vejam, a ilha paradisíaca tinha-me feito uma mulher nova!

Na verdade, os meus músculos das pernas e braços (resultado do levantamento de pesos) estavam mais definidos e prontos para entrar em acção. Adeus peles flácidas de antigamente!

Não sei exatamente o que motivou a mudança. Se foi o tempo livre a mais, a vontade de parecer saudável em frente ao St. Hope ou o medo dos quarenta anos se revelarem no meu rosto como um daqueles letreiros reluzentes de publicidade noturna. Mas sei que me sentia muito mais à vontade para exibir a minha pele clara.

Na verdade, o meu fim-de-semana começou com um dia bastante enfadonho e dado à preguicite. Não me contactei com o restante da humanidade, apesar de ter sentido o telemóvel a tocar em cima do balcão de mogno na cozinha.

Com o cabelo preso num coque frouxo e um vestido demasiado curto e esvoaçante, coloquei música na aparelhagem da sala e aproveitei para cozinhar. Quando era mais nova, a cozinha era algo com que eu até me dava bem. Depois casei com o Kevin, e quando admiti que ele era melhor cozinheiro do que eu, a tarefa de nos alimentar diariamente ficou-lhe confinada. É claro que agora o gosto estava a ressurgir. Preparei uma lasanha para o meu almoço, um prato saboroso e longo para me ocupar o tempo. Com um dos meus muito manuseados clássicos de Thomas Hardy e uma colcha vermelha que encontrei no armário debaixo das escadas fui para a varanda do quarto. Era um verdadeiro desperdício não a aproveitar verdadeiramente. Dobrei a colcha em duas e estendia no chão. Deitei-me de barriga para baixo e deixei o sol queimar-me a pele, o barafustar das ondas inundar-me os ouvidos e as palavras românticas de Hardy ocupar-me a mente como há muito tempo já não fazia. Ah, isto sim era felicidade. Felicidade pura provocada pelos puros prazeres da vida.

No entanto, quando o pôr-do-sol chegou à tardinha, a praia em frente começou a encher-se de pessoas incomodando o meu sossego. Não era uma grande novidade; afinal havia concertos todas as semanas no areal da praia, mas hoje apeteceu-me sair e explorar os segredos da vida noturna da ilha.

Limitei-me a calçar umas sandálias e a deixar o cabelo loiro cair-me pelos ombros. Não estava com disposição de trocar de roupa e o biquíni de flores coral e bege fazia-me sentir corajosa o suficiente para exibir as minhas pernas desnudas.

O grupo desta semana já prepara os instrumentos para a noite e as habituais barracas de comércio local levantam as portas para expor os seus produtos. As esplanadas dos cafés e das roulottes estão a abarrotar de gente e gargalhadas.

Deambulo perto da água, quase molhando os pés e sentindo a areia quente por entre os dedos. Compro uma sandes de leitão numa roulotte e enquanto lhe dou pequenas dentadas, vou passeando pelo meio das multidões.

-Kate! – gritam e eu viro o rosto na direção da voz familiar.

William está de pé perto de uma mesa com imensos rostos desconhecidos. Na verdade, acho que a mulher que está à frente dele é a Nara, que me sorri e acena energicamente. Correspondo ao sorriso e vou ter com eles enquanto o Will se encaminha a passos largos na minha direção.

FROM KATEOnde histórias criam vida. Descubra agora