Rotina

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Monotonia_ qualidade do que é monótono, significa falta de variação,invariabilidade de tom, sensaboria ou insipidez.  

Inevitavelmente, a minha vida virou uma rotina. As minhas tarefas diurnas variavam entre passar o dia inteiro ao telefone, em reuniões ou a assinar papéis. Se a minha ideia inicial era continuar a exercer funções como médica, rapidamente me apercebi de que isso não seria fácil.

O meu dia começava com um banho no chuveiro da casa de banho do corredor (a do quarto só tinha banheira). Com uma toalha a enrolar o meu corpo e outra o cabelo, enchia uma chávena de café e aquecia no microondas. No curto tempo em que esperava o meu pequeno-almoço ficar pronto, enchia as taças do Buster com água e ração. Ele aparecia na cozinha dois minutos depois, quando se dignava a levantar o traseiro da minha cama. Abria as precianas do andar inferior e saía descalça para os sofás exteriores com a chávena a fumegar entre as mãos. Depois de se empanturrar com os biscoitos, o Buster vinha ter comigo e com as patas em cima da almofada que dizia "Aloha", apoiava o focinho no meu colo e deixava-se ficar ali.

Às vezes questiono-me se ele percebia as minhas palavras ou se alguma coisa exclusiva ao mundo canino, o fazia conhecer os meus pensamentos. Quando ele ficava a olhar na mesma direção que eu, durante longos quinze minutos enquanto o café arrefecia, eu tinha a certeza de que sim.

Não sei distinguir para onde tanto olhávamos. Apesar de a paisagem daqui ser completamente assombrosa, nós apenas vislumbrávamos o céu límpido. A areia da praia e até mesmo os turistas madrugadores eram escondidos pela vedação em madeira que delimitava a área da minha casa.

Não sei como, mas a determinado momento, o Buster saía do transe e voltava para dentro a ladrar como se dissesse: «Está na hora, Kate! Meche o rabo e vai trabalhar!»

Eu franzia os lábios e seguia-o para dentro. Lavava a pouca louça que tinha suja e verificava as horas no relógio redondo da cozinha. Quando realmente me apercebia de que estava a ficar atrasada, corria pelas escadas acima, ao mesmo tempo que enxugava a água do cabelo em direção à casa de banho que me tinha habituado a usar. A casa de banho do meu quarto parecia demasiado perfeita e arrumadinha para eu fazer uso diário dela. Secava o cabelo e prendia-o num coque frouxo. Pendurava as toalhas no toalheiro e nua, ia até o closet e vestia-me. Umas calças fato treino e uma t-shirt eram as minhas primeiras opções e normalmente, aquelas por que eu optava.

Calçava uns ténis básicos e voltava a descer as escadas em passo de corrida. Gritava pelo Buster ao mesmo tempo e quando chegava ao final do corredor, já o conseguia ver com a coleira na boca. Prendia-a e trancava a casa. Saímos pela portinha que tinha na vedação e que dava acesso direto à praia. Depois, era o Buster que comandava os breves vinte minutos seguintes.

Grande parte das vezes, ele corria em direção ao mar e quando chegava suficientemente perto, começava a correr com as patas a alternar entre a areia e a água. Tinha sorte que esta praia era autorizada ao povo canino e isso permitia que ele se sentisse mais à vontade lá do que em qualquer outro lugar. À exceção da minha cama.

Quando já achava que tinha esticado os músculos o suficiente, fazia o Buster voltar para casa. Ele entrava empolgado, como se o facto de eu ter acabado com a sua limitada liberdade não o afectasse. Espalhava areia por todo o meu jardim e eu era obrigada a não o deixar entrar em casa se não quisesse ver a minha sala com o mesmo aspeto.

Voltava ao meu closet, trocava de roupa rapidamente e aplicava uma maquilhagem básica. Tentava arranjar o meu cabelo com o máximo de sucesso possível. Isso nem sempre era possível.

Escolhia uns scarpins entre os muitos pares de saltos altos e verificava se tinha tudo na minha mala. Quando procurava pela terceira vez o telemóvel, apercebia-me que ainda o tinha na mesa-de-cabeceira e rapidamente o atirava para dentro dela novamente.

FROM KATEOnde histórias criam vida. Descubra agora