Tu e eu ,igual a tragédia

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Narrador:Messias (Jó)
Eu entro no carro, no nosso carro preto. Ela olha para mim, esboça-me um sorriso pervertido. Eu sorrio com as armas que tenho à mão.
Ela dirige o carro de volta ao nosso quarto.
Eu encosto-me à porta do carro, olho para o exterior, veja a beleza das luzes, todas estas mudanças, apetecer-me desfrutar disto, dançar, cantar, ser livre. O carro segue a grande velocidade, ela coloca uma música no rádio.
Eu adoro a música, abro o vidro, vejo as partículas de ar a entrar e a sair do carro.
Entro em demência. Levanto-me do carro, ficando com o meu corpo fora da janela. Grito de felicidade. As pessoas olham para mim, não sabem que esta loucura que passo é por amor.
Paramos num sinal vermelho. Vejo na passadeira um pai e um filho de mão dada, o pai pede à criança para não olhar para mim. Eu posso até estar longe, mas oiço, não olhar para mim, tem vergonha do humano que sou, da espécie que me tornei, deste espírito que me invade o corpo e me deixa sedutor.
A criança volta-se para mim com um cara assustada, devia estar a fazer algo de mau, fico especado a olhar para ela a desaparecer no horizonte. Neste horizonte negro, que me deixa confuso.
Volto-me a sentar no carro, a música parou, focou-me na estrada, ela sabe o que estou a viver, mas não diz nada, não é capaz de ter uma palavra de compaixão para comigo.
Olho de novo para o lugar do condutor, vejo o meu pai a conduzir, a sorrir-me, a tocar-me na perna e a dizer:
- Vai correr tudo bem!
Apetece-me tocar-lhe, abraçá-lo, nunca mais sair do seu abraço, da sua proteção.
Toco-lhe na cara, sinto a sua barba, o seu nariz, os seus olhos, encosto a minha cara nele, choro, imagino todas as minhas lágrimas a caírem, por força da gravidade, a juntarem-se, cada vez mais, a formar uma onda que me enrola, que me afasta das mãos do meu pai, vejo-o já bem lá ao fundo.
Mas ao mesmo tempo continua comigo no carro, dou-lhe um beijo na cara, sinto a sua pele, respiro fundo, encosto-me no seu peito. Digo-lhe:
-Amo-te e sempre te amarei
Ouço uma voz diferente a responder, uma voz feminina:
- Eu também te amo!
Olho de novo para o meu pai, já não o vejo, só vejo Fátima, corada, com os seus cabelos negros a tapar-lhe a cara.
Ela pode não saber, ou não querer saber mas eu amo-a, sinto a necessidade do seu corpo, daqueles movimentos, daquelas expressões, daqueles gritos, dos seus olhares. Ela faz-me parecer que é magia aquilo que eu sinto. Pois só a vejo, só a sinto, sinto o meu corpo a levitar.
Olho-a nos olhos, passo a minha mão pela sua cara pelo seu cabelo, pelo seu corpo e beijo-a, um beijo ardente, quente, tão quente que me derrete. Um beijo prolongado.
Ela para de repente, esconde a cara e diz-me:
- Isto não está certo. Todo este amor pode ser trágico, tanto para mim como para ti. Eu não sou como tu pensas. Eu não te quero magoar. Tens de me esquecer, pensar em outra pessoa, eu não sou pessoa para ti. Não brinques com o fogo.
Eu olho para o carro.
Ela recompõem-se:
- Puto, vamos nos deixar destas coisas, está bem? Como correu lá o trabalhinho?
Ela muda de personagem, de identidade, tão rápido, que me deixa sem fôlego, num momento a crepitar de amor e noutro com o coração esmigalhado. Tento não falar sobre o  assunto, mas ela insiste.
- Correu bem!
- Ótimo!
Saímos do carro e dirigimos-nos para o nosso quarto.
Sinto a sua inconstante personalidade a vir ao de cima.
Ela vai para o seu quarto, eu deito-me no sofá, a olhar as estrelas, ou simplesmente a sujidade do teto.
Ela não me pergunta pelo dinheiro, e eu também não lhe falei no assunto. Acho que é um voto de confiança, por eu me ter prostituído.
Sinto o sono a chegar no seu grande Mustangs e a estacionar dentro de mim.
Acordo com o som da água a escorrer na casa de banho.
Novo dia, não sei porque, mas acho que este dia vai ser ótimo. Visto-me faço o pequeno almoço para ambos.
Ela senta-se, com o cabelo ainda molhado, tem aranhões na cara, e um olho um pouco roxo, mas não lhe pergunto nada.
Serei eu sonâmbulo? Fomos assaltados? Andou à pancada?
Muitas são as perguntas que se formulam na minha cabeça. Tento soprar essa nuvem de ideias e trazer outro assunto.
Vou à minha carteira de onde retiro o dinheiro, o dinheiro da noite anterior. Estendo-o, ela olha para mim, pega-o, cheira-o, lambe as pontas, deixando-me preocupado com o seu estado psicológico, o fanatismo por dinheiro e poder.
Ela conta-o nota a nota, em cada nota parece ficar mais contente, mais radiante, a rabiscar na sua cara um grande sorriso:
- 400€! Deste-lhe bem, Messias! Ou melhor dizendo, ele deu-te bem!
Ela ri-se, contorna uma gargalhada, deixando-a quase sem fôlego, bebe uma golfada de ar.
Olha-me com os seus olhos e boca tarados.
Deixo-me cair na vergonha, na vergonha que ela me faz passar. Ela percebe, dizendo:
- Não precisas ficar assim! Pelo o que ouvi dizer, já criaram um novo túnel aqui em Portugal. Tu!
Mata-se a rir, fazendo tremer esta fraca mesa que nos separa.
Diz-me por fim:
- Estou a brincar contigo! Não leves a mal! Mas também não leves ao cu!
Mais uma vez ri-se daquilo que me fez passar como se aquilo fosse um motivo de gozo.
Como se ela me estivesse a tentar pregar uma partida, como se aquilo fosse os apanhados.
Levanto a mesa, lavo a louça, decido ir dar um passeio, digo-lhe para não esperar por mim.
Saio de casa, o sol, espeta-se logo na minha direção, passeio por esta cidade nova, vejo turistas a passearem, toda a gente a sentir-se feliz e contente, tal como eu gostava de me sentir.
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Passado duas horas, estou todo suado, desde sol abrasador, que me queima as lágrimas, tornando-me seco e vulnerável ao sol, quase como um vampiro sedento de sangue.
O meu estômago rosna, decido voltar a casa, e tentar arranjar alguma coisa para comer. Desço a rua e chego à minha casa. Subo uns quantos degraus, retiro do bolso a chave, coloco a chave, rodando-a, de modo a abrir a porta. Abro-a.
Não vejo nenhum movimento, chamo pela Fátima, ela não responde.
Chego à sala, onde em cima da mesa encontro um bilhete a dizer, para o meu amado Messias, mordo o lábios a pensar que a seguir irei ter sexo com ela, imagino que a carta me dirá que ela me quer, que espera no quarto, que tenho de me despir. Começo a ler a carta...
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Espero que tenham gostado do capítulo, achei que esta música se aproximava do sentido do meu texto.
Preparem-se para o que aí vem!
Adão

O Barulho do Silêncio #oscarliterario #escritoresdeouroDonde viven las historias. Descúbrelo ahora