Este espumar de boca

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Narrador: Messias (Jó)
A casa, esta casa que percorro como um visionário, um sem-abrigo que toca nas paredes pintadas, olha a tinta espalhada pela parede, que se esfrega nela, que chora nela, que lhe esmurra, eu tive tudo aquilo, tudo aquilo foi meu, toda a riqueza, toda a felicidade, toda... Toda esta constância foi-me raptada, morta, atingida  com um golpe baixo. Choro, esperneio. Sei que não estou bem, este não é o meu estado perfeito, está não é a minha sanidade. Vejo uma foto pendurado numa das paredes do grande corredor, uma foto, vejo outros seres adultos a abraçarem aquilo que é este médico. Talvez na formatura. Rio-me, doí-me rir, tenho o corpo partido em dois e queimado das danças de fogo, bato na moldura, rio-me baixo, depois olho para o teto, e rio-me mais. Sai por entre uma gargalhada que se esbanja e empurra contra as paredes, corro pelo corredor, a saltar, a gritar, a rir a chorar. Esta mistura de sentimentos, deixa-me intoxicado, quase como drogado, uma boa dose de uma daquelas doses que a Babilônia tomava. Até o seu nome custa a sair toda esta dermencia corporal, toda esta preguiça que me faz sentar num sofá.
Foco um ponto escondido por de trás da parede, por de trás desta casa, desta mundo e universo, lá bem escondido. Não prenuncio uma palavra. Este meu silêncio vai fazer com que eles me soltem penso. Depois penso que é isso que eles querem, eles querem me prender, escavar uma cova e matar-me vivo, como eu fiz ao padre, como farei com todo o mundo, até permanecer eu, sozinho, sozinho no mundo, neste meu mundo.
Vejo o polícia a falar com o psicológico a falar  sobre mim, a difamar-me, a criarem uma teoria da conspiração para comigo.
O médico aproxima-se de mim, estamos três pessoas na sala, o polícia, o psicólogo e eu. Com qual dos três ficaria, abraçaria e dizia para me levar ao meu pai, descrevia-o com todos os detalhes e até os desnecessários,  depois mostrava-lhe a minha pulseira com o número. E antes de ele me abrir a porta do carro para eu sair para os braços do meu pai. Perguntava-lhe inocentemente: É um pedófilo?
Ele não respondia, arrancava com o carro e ia para uma floresta onde me punha a fazer cócegas com no seu corpo, a brincar com a sua pilinha. Eu não percebia o porque, mas ele parecia gostar e eu para agradar um novo amigo, fazia-o. Até eu ficar gravido, no ventre que não possuo e dessa gravidez suscitar algo que me mate, que me esfaqueei. Qual deles escolheria para me levar para este ponto de abrigo, onde teríamos a nossa criança? Talvez o polícia, o psicólogo, não. Eu! Fazia-me isso a mim mesmo, sim uma auto-fecundação.
O psicólogo está a chamar-me:
- Messias! Podemos falar?
Tomo atenção a este novo ser, como uma criança disposta a ouvir uma nova história.
- Podemos!
- Quem é a Fátima?
- A Fátima é aquela que é.
- Podes me descrever como era a vossa relação?
- A nossa relação era mais que um mártir, mais que uma sanguessuga, mais que perigosa, é quase como a história de Romeu e Julieta, onde a morte é assegurada como ponto final de um longo parágrafo de amor.
- O que gostavas nela?
- O seu cabelo, o seu cheiro, o seu olhar, a sua atitude atrevida, de mandona, de controladora. A sua ignorância perante o meu ser.
- Tu gostavas dela?
- Eu amava-a, mais que tudo, mais que todas as coisas, todas as forças, todas as energias, mais que toda a gente, mais que a Deus...
- Calma! Respira...
Eu soluço e sigo as suas instruções enquanto respiro fundo.
- Podes-me dizer o que se passou nesse dia?
- Eu fui dar um passeio, quando voltei ela estava fechada no quarto- começo a chorar, as emoções dominam-me- abri a porta e vi-a a invocar um espírito, esse espírito apareceu tentou matá-la, eu impedi tentei matar o espírito, ou algo assim. Depois ela suicidou-se à minha frente, sobre mim, o seu sangue saltou num repuxo para mim, molhando com esta água com corante.
- Sentes-te bem? Bebe este copo de água para te acalmares!
Vejo o polícia também com um copo vazio na mão e penso: este mundo está carente de água, de todos estes oceanos, de toda esta água que emerge deste seu amargor doce sal. Esta água que nos afoga, que nos puxa para o fundo. Imagino uma guerra, uma possível guerra criada por mim, onde deslizo numa bola que me destrói por dentro, que choca e despedaça em porções pequenas como se gotas de água se tratasse. O meu céu chama por mim. Levo a mão à boca, tenho-a a seca, sinto o mundo a vibrar, quase como o tremor de terra que partirá a terra em dois, saindo de lá aquela espuma vermelha que encontramos em algumas gomas. Um mundo vira-se 180 graus, vejo toda a gente, amigos, país, familiares, todas a dançarem, uma dança sincronizada, com roupas estranhas, vejo a um canto um palhaço que corre para mim, eu fujo, fujo mais do que posso, mais do que estes sapatos permitem, mais que estes pés em sangue permitem até tropeçar na minha sombra, cair de costas, virar-me, o palhaço puxa-me para cima e tapa-me os olhos. Segredando-me palavras estranhas em latim, ou hebraico, ou algo assim, abro os olhos, vejo o psicólogo, o polícia.
-Está tudo bem! -um deles pergunta.
Caio, faço-me em cacos, começo a espumar da boca, ou simplesmente a salivar, até me darem com um cabo da pistola na cabeça, de modo a acabar com este sofrimento só de uma vez.

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Espero que tenham gostado, brevemente iniciarei uma nova história, essa com romance!

O Barulho do Silêncio #oscarliterario #escritoresdeouroDonde viven las historias. Descúbrelo ahora