Porto de Abrigo

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Narrador:Yuri

Sabes que fogo ñ apaga manchas digitais. Por mais que esfregues, que cortes, que desfaças o desfeito, ele continuará lá, a marca dos teus dedos que derramam, que transbordam a superfície da foice. Que se esbajam neste chão.
Não dormi nada esta noite, e foi precisamente a primeira vez em que passei do lado de policia para o lado da vítima, digamos assim.
Quase como uma nova experiência que uma pessoa cheia de objetivos risca no seu bloco de notas, considerando-o feito.
Mas não me deixei embalar pela melodia do sono, não só apenas pela nova experiência, mas também por saber que qualquer linóleo em qualquer parte da casa vai denunciar a nossa presença.
Não que eu esteja muito preocupado se sou considerado uma vítima no caso, mas porque não colaborei com a policia, há uns quantos dias.
Simplesmente, levei-o dali, ao Messias. Sabia.
Era mais do que saber, eu sentia com aquela vontade de sentir, de acreditar para além de tudo, de me deixar. Pronto,não sei acho que me devo ter levado por toda a sua agitação e pelos seus longos caracóis pretos que aos poucos têm vindo escurecendo. E levei-o...
Estamos deitados apenas a 30cm um do outro, sinto a sua respiração, inspiração, expiração.
Sei que deve estar acordado também de volta lá do seu bloco.de notas mental.
Eu não tenho problema de ser visto como cúmplice num homicídio.
Não tenho nada a temer, nada a deixar, nada a dizer a alguém. Não haveria uma última palavra. Uma última frase de alento, dizendo estarei cá para te vir buscar nesse dia.
Não vou dizer que matei ou que morreram os meus pais como tantas outras personagens.
Simplesmente, nunca fui muito agarrado, passava os dias enfiado no meu quarto, que por acaso tinha um trinco.
Ou mais do que um, aprendi sentado horas e horas no chão do meu quarto como colocar um trinco, apertei e desapertei várias vezes o trinco principal que constitui como tantos outros a minha caixa forte.
Se era um miúdo revoltado?
Não, simplesmente, os meus pais tinham outras coisas em que pensar.
Lembro-me que mesmo com cinco ou seis anos que eles saiam de casa para ir jogar bolling, ou numa daqueles jantares e festas.
Aquelas coisas maravilhosas, aquelas luzes cintilantes que boiavam na atmosfera dum restaurante retrogado ou de um grande salão.
Onde príncipes e princesas dançavam ao som de música imaginada, com roupas dadas por fadas madrinhas.
Não sei, nunca fui muito ligado a eles, por mais que me levassem ao psicólogo, dizendo que o problema era meu.
Que lhe pagassem notas e notas, ele passava o dia comigo, íamos ao cinema juntos, ele ensinava-me psicologia e como os casos na policia ocorriam, e como o seu pai era conhecido como excelente criminalista.
Eu acho que era como um avó, eu saia de casa, todos os dias, ia à sua porta, passava-lhe uma nota de vinte e tinha um dia diferente, digamos.
Quando me aborrecia do avô Salomão, escondia-me no quarto a devorar livros de aventura, de mistério.
Com a cabeça no chão, os pés encostados à porta, levava horas a pensar que podia ser eu a salvar.
A ser eu o super homem, a ser invencível, adorável, musculado, torneado, perfeito.
Eu buscava, incessantemente, a minha perfeição, procurava-a em algum recanto.
E aliás, era esse um dos meus passatempos,não como as pessoas fazem que olham para o infinito e descobrem lá um ecrã onde podem organizar as ideias.
Eu não, eu procurava a inspiração para escrever, para voar, para ter super força, para ser um super heroi.
Mas procurava mesmo, por baixo da cama, da almofada, do telefone fixo que tinha convencido a minha mãe a comprar, por baixo do pó que banhava os armários e todas aquelas roupas sempre iguais, sempre as mesmas.
Houve um dia, aos 19 anos, percebi que não ia encontrar a minha perfeição dentro de casa. Por isso saí, saí pela grande janela do meu pequeno quarto, trepei pela minha secretária, abri a janela de par a par.
Olhei o céu, como um novo destino,um novo lugar de exploração, um novo pequeno abrigo,com todos aqueles trincos e talvez pudesse acrescentar mais.
Os prédios amontoavam-se, aliás, encavalitavam-se uns nos outros, como uma espécie de luta.
Uma luta mental, que não encaixava.
O mundo para além do cofre era diferente, não era só aquilo que os livros descreviam que faziam catalogar por mil e uma palavras.
Faltavam mais, aquele firmamento era uma vasta imensidão de suspiros de sopros de ventos, de uma paleta de cores,onde um azul se entorna sobre um verde.
Nesse dia, senti-me a flutuar, tocava em todas as suas paredes, sentia a sua textura. O seu aroma ácido e um pouco alcalino.
Aliás, não sabia dizer se aquilo tudo não era neutro, se não era aquilo que me faltava para estar completo.
Por isso, iniciei a minha vida na policia, como um simples guarda, subindo com o tempo.
Parecia-me que os criminosos, tinham lido os mesmos livros que eu, que os tinham estudado e eu, sabia-os de par a par, de página a página.
Agora, estou aqui deitado, olho-o, ele já está acordado.
Ele levantasse despe-se à minha frente, veste outra coisa, eu faço o mesmo. Quase como.uma marioneta em que os fios puxam impulsos.
Vestimo-nos, nenhuma palavra paira no ar, nada é dito, já o foi antes, este silêncio, e sim este silêncio, comunica por nós.
Saímos, pegamos em cinco euros, e tomamos o pequeno almoço. Eu abro a boca:
- Sabes que o fogo não apaga impressões digitais, que um fogo só iria chamar a atenção da policia, que a cena do crime que montas-te não levava a acreditar ninguém. Tens noção que ou podíamos estar os dois mortos agora ou os dois na prisão. Foste um inútil, se esperasses, as pessoas iam notar a minha a minha falta. As pessoas iam sentir falta do meu sentido de humor, da minha presença, do meu perfume barato.
- Estavas à espera que eu fizesse o quê? Que te deixasse a morrer lá, que te deixasse ser dopado, ser morto, ser mais um esquecido, mais um abandonado. Querias que me deixasse ficar naquela maré?
Que deixasse que aquelas ondas me afogassem, que me levassem para o fundo, que me acabasse o oxigênio.
Querias que mantivesse durante mais quanto tempo esta melancolia, este sabor amargo na boca, sabendo que perdi esta ronda, não o jogo todo.
Agora sei, agora não vou continuar a ser o Messias de antes, sou um novo Messias, acredito no amor?
Não. Acredito na bondade, na amizade e tudo o que estiver envolvido? Talvez, mas apenas por interesse. Quero continuar a minha vida percebes, não me quero lançar a ancorar  onde Deus quer e me deixar bailar pelo ritmo das ondas, quero ser eu a decidi-lo.

Eu ouvi tudo, absorvi-o como uma esponja, sentia-me feliz, senti algo a inspirar-me, a me deixar preencher o coração.
Será que estava a sentir algo pelo Messias, não sei se não passava de compaixão ou paixão.
Simplesmente, sentia-me bem.
Acho que descobri um novo porto de abrigo.

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ESTA HISTÓRIA ESTÁ A CHEGAR A MOMENTOS INESQUECÍVEIS,NÃO PERCAM. POIS NÃO É SÓ O YURI QUE SERÁ UMA NOVIDADE, E NÃO PENSEM QUE A HISTÓRIA NÃO TEM MAIS POR ONDE PEGAR. COMO O MESSIAS OU O JÓ DISSERAM CHEGA DE MELANCOLIA, HÁ QUE ENCARAR A REALIDADE E DEIXAR DE SOFRER COM O QUE JÁ FOI CHORADO. HÁ QUE LIBERTAR.
Adão

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