Oito

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Achei que fosse alguma brincadeira de Cauê, mas realmente iríamos embora da aldeia. Ele me acordou bem cedo e disse pra que estivesse pronta quando ele voltasse. Guardasse as nossas coisas, quase nada, tomasse café e o encontrasse na oca que fiquei no primeiro dia. Minha ansiedade estava me correndo e a expectativa de ir embora aumentava a cada segundo. Mal podia acreditar que finalmente voltaria para minha casa, meus pais, minha rotina, para minha vida!

Entrei na oca com a pequena mala que encontrei no baú de Cauê. O pajé, o cacique e Kaolin estavam de pé conversando com Cauê. A afeição do pai dele era bem feia. Parecia insatisfeito. Kaolin sorria para mim chamando-me para perto. Obedeci e fui me aproximando, deixei a mala no chão para retribuir o abraço carinhoso de Kaolin.

- Que a lua te proteja menina. - desejou me soltando. - Sejam felizes o máximo que vocês puderem! Acredite na felicidade, porque ela existe!

- Como sabe? Não me parece uma pessoa feliz... - rebati sem pensar muito nas palavras. A feição triste de Kaolin me fez desejar ardentemente engolir cada palavra.

- Já fui feliz, por pouco tempo, mas muito feliz. Tempo esse que vale por toda uma vida. - respondeu olhando profundamente nos meus olhos, e senti as verdades em suas palavras convictas.

- Cauê, sabe que terão que voltar em dois meses. - cortou o pai dele visivelmente incomodado com o afeto de Kaolin por mim. - Espero que essa cabocla já esteja grávida. - falou mais forte me fitando com desprezo. - Quanto antes isso acontecer, mas rapidamente terminamos.

- Precisamos ir. O caminho será longo demais. - interrompeu Cauê percebendo meu desconforto.

- Esses colares não são apenas assessórios, são amuletos. Se estiverem com eles dispostos a amar, ele os fará um só. - o pajé enfim se pronunciou colocando a mão no ponto atrás da minha orelha, onde ele havia rabiscado algo no dia do casamento, e o mesmo em Cauê. Senti ela esquentar, senti arder e me afastei de sua mão.

Olhei assustada para o Pagé que sorria como se entendesse meu espanto. O calor parecia não ser apenas local, na verdade parecia fluir de Cauê. Tentei me afastar dele, por extinto, mas ele segurou meu antebraço com firmeza, fazendo o calor irradiar por todo meu corpo. Senti minhas bochechas ficarem vermelhas quando alcancei seu olhar penetrante.

Neste instante, Vivá entrou gritando, desesperada com ódio mortal nos olhos, e os punhos cerrados.

- Eles não consumaram o casamento! - acusou apontando o dedo pra nós.

- Como é? - o cacique perguntou confuso olhando pra ela. Senti a mão de Cauê na minha cintura puxando-me para seu corpo tenso.

- Vivá já te falei que no momento não quero uma segunda esposa. - disse suave como se estivesse explicando a uma criança o porquê ela não vai ganhar o presente de natal. - Ainda preciso conhecer a escolhida da Lua. Mas pela sua atitude duvido muito que seja a minha.

- Cacique não os deixe ir sem que se cumpra a lei. - ela berrou furiosa com ele.

- Primeiro olha como está falando comigo, segundo eu mesmo presenciei o ato. - respondeu olhando pra ela.

Ela me fuzilou com seus olhos pretos. Abro o sorriso mais sarcástico que tenho. Vejo seu ódio aumentar quando minhas mãos sobem pelo tórax de Cauê. Vivá então, avança em minha direção, mas é impedida por Kaolin que se põem na minha frente. Ela recuou,bufou irritada e então passou por nós esbarrando em mim. Cauê acena com a cabeça e saímos da oca. Poucas pessoas estão transitando pela aldeia, e ninguém nos para.

Entramos na mata no oposto da nossa cabana. Andamos e andamos. Cauê não diz uma palavra no trajeto, ele leva a mala em silêncio. Decido não piorar o clima e também fico quieta. Umas duas horas depois estamos em uma estrada de chão.

Elo Perfeito #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora