Trinta e oito

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Infelizmente, ou felizmente, meu desmaio não durou muito tempo. Gotas de água foram despejadas em meu rosto, me tirando dos meus poucos minutos de paz. Abri os olhos lentamente, e não precisei me esforçar muito para enxergar com perfeição o maldito Tito, em pé com uma garrafa de água aberta acima de mim. Não adiantava tentar fugir naquele momento, então resolvi poupar minha energia que já estava se esgotando. Fazia tempo que eu não ingeria um alimento sólido, uma comida de verdade.

- Ora, ora, ora! - a voz insuportável do filho da puta era baixa e grave. - Tenho que reconhecer. - sua voz era arrastada e cheia de malícia. Ele agachou ficando a poucos centímetros de mim. - Você me surpreendeu. Nunca pensei que uma mulherzinha com uma barriga a ponto de estourar conseguiria fazer tantas coisas como você fez!

- Onde está Cauê? - sussurrei, fraca demais para impor minha voz.

- Morto! - respondeu se levantando.

- Não, eu sei que não. - insisti colocando para fora toda minha esperança de que ele realmente estivesse vivo.

- Como pode ter tanta certeza? - ele virou-se de costas e começou a caminhar pelo cubículo onde eu estava trancafiada. - E por favor, sem argumentos tirados das histórias de contos de fadas, ou de índios!

- Se ele estivesse morto, eu não estaria aqui. - rebati conseguindo me erguer do chão, endireitei a coluna e me sentei. O Lucas começou a me chutar, e um alívio percorreu minha espinha.

- Você não está aqui por causa dele, querida! - virou-se para mim, abrindo o mais horrendo sorriso.

- Então, diga logo o que quer de mim! - consegui aumentar meu tom de voz o suficiente para fazê-lo soltar uma gargalhada sinistra.

- Cabocla, não é? Eu ouvi aquele idiota gritar isso em cada delírio provocado pela dor. - meu coração congelou e meus olhos se encheram de água. Sei que Cauê não contaria a ele sobre isso. O que só me deixa uma afirmação: O meu amor realmente morreu. - Vou deixá-la se alimentar. Veja como sou bonzinho!

O tal de André apareceu na pequena janela embutida na porta de ferro. Saiu de cena e passou uma sacola branca pelo buraco, Tito a pegou e abriu inspirou e fez um som de aprovação. Caminhou lentamente até onde eu estava, jurei que ele jogaria aquilo, ou em cima de mim, ou no chão. Esperei por isso, mas ele apenas deixou a sacola delicadamente na minha frente.

- Bom apetite! - falou escancarando seu famoso sorriso do gato de Alice no país das maravilhas.

Caminhou a passou largos até a porta que André abriu pra ele. Passou por ela, e logo ouvi os barulhos das tranças e os passos se afastando. Fiz força para levantar e tudo girou, eu estava fraca demais, infelizmente teria que me alimentar daquilo que me deixaram. Puxei a sacola pela alça fina de plástico, uma caixa grande de isopor e uma garrafinha de suco e outra de água estavam dentro da sacola. Abri o isopor e me deparei com um banquete, feijão, arroz, salada, frango, batata, macarrão e farofa. O cheiro estava divino, e não esperei duas vezes, com a colher de plástico comecei a devorar cada grão do recipiente. Precisava ingerir o máximo de calorias possíveis, afinal não sabia quando poderia comer novamente. Bebi o suco que estava geladinho, assim como a água. Sinceramente, não conseguia compreender o por que ele fazia essas coisas. Me ameaçava, deixava meus nervos a flor da pele, matou meu marido, e depois me dava um banquete desses, talvez o cardápio não fosse o mais elaborado, mas pra quem não comia nada, com certeza era um banquete real.

Não consegui beber a água, estava muito cheia. Não sei quanto tempo se passou até que o meu famoso carcereiro apareceu novamente, abriu a janelinha e me espiou, ouvi os barulhos das tranças e em instantes ele entrou nos meus aposentos reais, trazendo consigo uma caixa de papelão enorme, colocou no meio do pequeno ambiente pegou a sacola que estava com o isopor e a garrafinha de suco e saiu sem dizer uma única palavra.

Depois de ter certeza que ele não estava por perto, enfim consegui me levantar sem dificuldades e fui em direção a estreita janela dá parede de frente para a porta, o som já estava sumindo no horizonte. A janela era bem alta e tive que ficar nas pontas dos pés para enxergar um pouco do que tinha abaixo dela. O som da água era fraca, mas eu conseguia enxergar um grande esgoto a céu aberto a talvez uns cem metros de onde eu estava. Uma cerca alta rodeava a propriedade que estava cheia de mato, e a grama não via um cortador a anos. Depois da cerca ficava o riacho poluído, consegui vê mais ou menos o tamanho daquele manicômio, e era enorme. Depois do riacho só haviam árvores retorcidas, parecidas com aquelas de mangues, e não me surpreenderia se houvesse um ali. O sol já não estava em seu pleno vigor, então decidi voltar minha atenção para a caixa de papelão no centro do meu quarto.

Abri a parte de cima com medo, nunca se sabe o que a cabeça de Tito inventa. Como sempre, ele me surpreendeu! Dei de cara com um outro colchonete enrolado dentro de uma bolsa com a estampa camuflada. Tirei e joguei para junto do meu tapete colchonete. Encontrei também um jogo de cama, roupas limpas e roupas e coisas de higiene para bebês.Com dificuldades, puxei a caixa para perto dos colchonetes, que arrumei um em cima do outro e coloquei o jogo de cama nele.

Ansiava por um banho, muito mesmo e sabia que não conseguia me sentir menos tensa, se não tomasse um banho. Separei um short de malha preto e uma regata também preta peguei o sabonete infantil e fui para a porta fazer meu breve show para chamar a atenção do idiota.

Bati algumas vezes e pedi educadamente para tomar um banho. Depois de alguns minutos insistindo, André abriu a janelinha e me disse que ia ligar para o chefe, queria saber se era permitido. Esperei ansiosa, estava doida por um banho. Na verdade eu só queria dormir, mas suja nem rolava. A porta se abriu e André tratou de enfiar o capuz na minha cabeça e não consegui ver nada novamente. Mas dessa vez eu tinha um plano, não de fugir assim de cara. Mas eu ia bolar alguma coisa. Fui contando quantos passos davam dá minha cela até o lugar onde eu tomaria banho. Trinta e seis passos para frente e mais seis para o meu lado esquerdo. Como sempre, André me empurrou e tirou o meu capuz.

Um banheiro abandonado, imundo, podre, fedorento e com muito lodo. Me arrependi de ter insistido tanto para tomar banho. Ele me levou até uma das cabines com um chuveiro, na verdade o único que eu vi ali. Eram o total de sete cabines, divididas por grandes placas de mármore antes brancos, o chão era de azulejos pequenos e brancos assim como a parede. Do lado oposto ficavam as cabines com vasos sanitários imundos. Uma luz fraca iluminava precariamente o ambiente hostil. Consegui olhar para trás e ver uma espécie de vestiário com uma janela enorme que estava aberta. Tentei não dar pistas dá minha recém descoberta.

- Vai me vigiar tomando banho também? - resmunguei encarando o cara enorme e mau encarado.

- Não vou te dar mole desta vez. - respondeu seco. - Se quiser, seguro sua toalha.

Eu ia dizer que nem fudendo, que ele era um pervertido e várias ofenças quell já estava ensaiando na mente, mas achei melhor aceitar uma vez que estava tudo podre de sujo.

- Claro querido, e faz um favor segura a roupa também! - ah meu bem, eu sabia ser debochada e com muita perfeição. - E fica de costas.

Seu maxilar estava tenso, e seus olhos raivosos. Mas ele obedeceu e ficou de costas como um bom menino. Abri o chuveiro e a água demorou um pouco pra cair. Peguei um pouco nas mãos e observei para ver se estava suja ou com alguma coisa, tentei sentir o cheiro também. Não, eu não sou fresca. Mas eu já tinha problemas demais pra me preocupar com uma possível doença, alergia ou zikizira.

Me dei por satisfeita com o estado da água, tirei a roupa e joguei no ombro largo do meu carcereiro. Entrei de baixo da água e tomei um banho rápido , lavei o cabelo só com o sabonete de bebê. Estava com medo que ele me visse nua. Puxei a toalha de suas mãos e me enrolei rápido, sem nem me secar direito, coloquei a blusa por cima dela e botei o short que ficou um pouco largo. Enrolei os cabelos na toalha pra enxugar um pouco. Logo o capuz cobriu minha cabeça de novo e fui levada até minha cela. A porta se abriu, entrei e dessa vez não tiraram meu capuz, então eu mesma puxei e meus neurônios queimaram.

- Olívia? - sussurrei incrédula.

Elo Perfeito #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora