Vinte e nove

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Deitei de barriga para cima e deixei meus pensamentos voarem até a aldeia. Eu estava com raiva, tristeza e mágoa, mas infelizmente sentia uma saudade enorme daquele lugar. Minha vida virou uma merda, eu sei, mas não consigo descrever a conectividade que sentir com o local, a floresta, com as pessoas, era como se simplesmente eu tivesse plantada ali. Como se eu fizesse parte daquele lugar.

As batidas na porta mais uma vez me tiraram do sério, era a quinta vez que Cauê me atazanava, senti o sangue quente só de lembrar o que Vivá falou. Fingi que não ouvi, aumentei o home theater que até então estava em um som ambiente agradável. A voz de Adele entoando "Helo" preencheu cada espaço vazio do quarto.

Peguei um travesseiro e tapei o rosto, a música era meio deprimente e não ajudou muito a melhorar o meu ânimo, mas só de não ter que ouvir a voz de Cauê já bastava.

Do nada o travesseiro é arrancado de mim, e o som desligado me fazendo dá um pulo de susto. Fito os olhos escuros furiosos de Cauê, e me levanto da cama abrindo espaço entre nós. Ele rodeia a cama e eu caminho para trás.

- O que você quer? - pergunto com tom glacial. - Não pode respeitar minha privacidade?

Olhei para a porta e havia uma chave pelo lado de fora, óbvio que não era a primeira vez que ele fazia isso. Mas eu tinha a esperança de que ele respeitasse a minha privacidade. Ele estava furioso e eu com nojo só de olhar para ele.

- Precisamos conversar. - ele diz se aproximando.

- Não. - coloquei os braços para frente do corpo afim de esclarecer que queria distância. - Não quero falar com você. Na verdade não tenho nada pra falar.

- Claro que sim. Deixa de ser infantil. - ele falou passando as mãos pelo rosto.

- Infantil? - soltei uma risada sinistra e passei por ele indo em direção ao banheiro. Sabia que ele estava me provocando para que eu começasse a falar, não ia cair nessa. - Como eu disse, não temos nada pra falar.

- Então apenas escute. - ele disse num tom sério.

- Mentiras? Não obrigado. Já basta a vida de merda que você me proporcionou. - ironizei andando em direção ao banheiro.

- Aquilo que aconteceu no closet... Eu nunca me senti assim com nenhuma outra mulher, Maya. - sua voz era mais mansa, como se estivesse se confessando. Ele ficou na porta do banheiro enquanto eu lavava o rosto.

- Sei que não. Eu não te paguei pelo serviço. Desculpe, vou pegar minha carteira. - disse o mais fria possível. Eu queria feri-lo e pela sua expressão refletida pelo espelho, estava dando certo.

- Caralho, você nunca vai esquecer isso? Não foi uma opção entrar nessa. E também não é uma opção sair. - ele dizia furioso novamente.

- Isso não é problema meu. - disse enxugando o rosto.

- Eu tranzo com muitas mulheres, mas não com você. Você é a minha mulher e eu te amo de verdade. Sei que não consegue acreditar, mas eu estou completamente apaixonado por você, você é o meu elo perf...

- Nem vem com essa de elo perfeito. Em uma coisa você tem razão, eu não acredito em você. Não acredito nesse sentimento sujo, nesse amor falsificado. E tenho muita pena do meu filho ter um pai como você. - cuspo as palavras com raiva, e sei que estou gritando, mas não me importo. Seu olhar me fita sério e seu semblante mudou completamente.

- Devia ter pensado nisso antes de abrir as pernas pra mim. - ele disse com uma calma assustadora.

E num impulso de pura ira, acertei um tapa no seu rosto tenso, fazendo-o virar a cabeça. Ele colocou a mão no rosto e me congelou com o olhar. Ele segurou minha mão com força e pegou minha cintura e a esta altura, minhas lágrimas banhavam o meu rosto. Ele colou nossos corpos e sem me dar chances de sair, cobriu meus lábios com os seus com tanta força que começou a doer. Comecei a bater nele e a empurrá-lo. Mas ele não se mexia. Então eu dei uma joelhada no seus ovos, e ele me soltou na hora. Dobrou o corpo pra frente e caiu segurando as partes a fim de cessar a dor. Confesso que deu vontade de rir. Pense um homem daquele tamanho todo cair por uma joelhada no saco, é meio que impressionante.

Ele mantinha os olhos fechados com força e gemia de dor. Eu comecei a me sentir culpada e com um remorso terrível. Me ajoelhei ao seu lado pensando no que poderia fazer. O virei pra mim e ele abriu os olhos e me fitou com desespero. Mas seus olhos se suavisaram com meu carinho em seu rosto.

Você é mesmo uma imbecil.

- Por favor ... Não ... Faça ... Isso ... De ... Novo. - ele falou baixinho aproveitando a minha carícia.

- Não chegue mais perto de mim, me deixe em paz. Eu não quero uma relação com você. Eu não quero te odiar mais do que te odeio. Eu não te quero mais. - disse vendo minhas lágrimas caírem em seu braço tatuado.

- Não me peça isso. Não diga que não me quer, quando todo o seu corpo te trai. - ele disse se sentando. - Eu não consigo ficar longe de você, não consigo. Eu já tentei, mas não dá. Por favor, não me peça isso.

- Olha, a gente não dá certo. O destino nos mostrou isso milhares de vezes. O meu corpo te quer, confesso, mas meu coração...

- Por favor, não! Não me machuque assim. Me dê outra joelhada, mas não me diz isso. - ele me puxou para seu colo e me abraçou forte. Senti seu peito respirar fundo várias vezes. - Eu te amo cabocla, como nunca amei ninguém. E como nunca vou amar. Fica comigo.

Sua voz era suplicante e meu coração doía a cada palavra, eu sabia que se permitisse seria o fim da minha sanidade mental, seria o fim de tudo. Eu precisava dar um basta nisso, e agora era o momento. Me afastei dele o suficiente para olhar. Confesso que assim que fitei seus olhos escuros procurando a resposta, senti toda a minha convicção e determinação irem de ralo a baixo, mas antes que a última gota fosse, tomei seus lábios delicadamente e ele retribuiu meu beijo de despedida, e ele sentiu isso. Sei que sim, pois me abraçou forte e aprofundou o beijo me levando inteiramente para dentro de si. Contornei seus lábios com a língua e passei meus lábios pelos dele e dei um selinho e me afastei.

- Não. - ele sussurrou. - Não faça isso.

- Adeus Cauê. - sussurrei tentando me levantar. Mas ele me prendeu me abraçando e cheirando meu pescoço, meus cabelos. - Chega, eu não posso mais viver assim, esse é o meu basta.

Consegui sair de seus braços e o deixei me olhando no chão incrédulo e sai do banheiro, do quarto e quando estava entrando no elevador ele apareceu correndo, e antes que ele chegasse, graças a Deus as portas se fecharam. E ali se encerrava um capítulo da minha vida.

Elo Perfeito #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora