Trinta e dois

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Não preguei os olhos, vi o dia clarear sobre as nuvens densas de chuva. Vivá tinha um sono agitado, virando de um lado para o outro falando coisas sem sentido. Não sei que horas eram, talvez umas oito da manhã, a porta se abriu e o brutamontes da noite passada entrou com algumas sacolas e deixou no chão do quarto, saiu e fechou a porta. Corri para ver o que era e me surpreendi.

Frutas frescas, pães doces e salgados, sucos e até geleias. Mas que merda de cativeiro é esse? Tem algo muito estranho nisso. Peguei uma pêra e lavei com água corrente antes de abocanhá-la e ver o que mais tinha dentro das demais sacolas. Uma sacola grande continha algumas roupas de femininas de adultos e de bebês para ambos os sexos, alguns pacotes de fralda também. Tudo misturado, mas com etiquetas de lojas de grife. Sério isso estava muito estranho.

- Será que querem vender nossos bebês? - a voz embargada de Vivá soou me assustando. Ela parecia apavorada. E eu senti um calafrio percorrer toda a minha espinha, porque era exatamente nisso que eu estava pensando. - Sonhei isto está noite.

- Não, acho que não. Não fique pensando em coisas ruins. Não vai te fazer bem. - levantei levando as roupinhas para a banheira, eu iria lava-las na mão.

Só assim o tempo passaria rápido e não enlouqueceria. Além do mais ficar pensando nisso não ajudaria em nada. Só precisava de tempo para bolar um plano de fuga. Mas era estranho ver Vivá tão frágil assim.

- Os Kenuês sempre encontram os seus, não é?

- Espero que sim. - ela respondeu triste e cabisbaixa.

Parecia não ter certeza desse "poder" que eles possuíam. Era melancolia demais, fui direto para o banheiro e me tranquei lá.

Tomei um banho e lavei as roupinhas, fiz um varal improvisado com um fio de telefone e pendurei as peças pequeninas rosas, azuis, verdes, brancas, tinha uma variedade de cores. Logo depois saí e Vivá entrou. Ela continuava triste. Eu preferia ela me estressando a vê-la tão deprimida e sem vida assim. Era comovente e até contagioso.

Passamos a manhã e a tarde inteira sozinhas, sem a interferência do mundo externo. Não falamos muito, e acho que ela estava cansada demais para isso. Ela cantavam em sua língua nativa, alisando sua barriga que parecia estar a ponto de estourar. E eu tentava ver algo pela janela, mas uma árvore bem robusta não me permitia ver muito além. O meu campo de visão se restringia até uns dez metros depois da casa e um pouco ao lado esquerdo, onde ficavam dois carros estacionados. Uma Hilux 4x4 e uma Ranger Rouver também preta. As vezes o mau encarado que nos vigiava saia junto com um homem meio asiático baixinho, para fumar. O plano estava sendo montado em minha cabeça, era questão de tempo.

Quando a noite chegou trazendo consigo um frio invernal a porta se abriu ruidosamente, revelando um homem bem vestido, com cabelos meio grisalhos, alto e tomei um baita susto ao identificar o sujeito. Era Tito, o cafetão de Cauê.

Mas que porra é essa?

- Olá querida Dama. - sua voz me causava arrepios. - Antes que comecem o interrogatório, quero deixar claro que não estou aqui para responder às milhares de perguntas idiotas que vocês acham que podem fazer. - Ele se aproximou de mim e passou as costas da mão no meu rosto me fazendo gelar por dentro. - Se ele tivesse aceitado a minha proposta, nada disso estaria acontecendo. Mas ele foi um estúpido e se apaixonou por uma rameira qualquer.

Respirei fundo assim que ele se afastou e apertei os olhos para não cair tonta. Seu olhar percorria o ambiente medíocre ao nosso redor e parou sobre Vivá que exibia uma postura exemplar de amazona. Ele sorriu maliciosamente. E a fitou com curiosidade e sem escrúpulos.

Como ele pode vê-la assim? Meu Deus, ela está grávida! O bebê pode nascer a qualquer momento! Que filho da puta.

- Está é mais selvagem, pelo que vejo. - comentou com o homem que nos deixou a sacola mais cedo. - O filho da puta é pago pra tranzar com diferentes tipos de mulheres e ainda assim tem duas a sua disposição em casa. - ele me fitou com sarcasmo. - Uma tem uma beleza misturada e a outra é exótica, e ambas são excitantes. - Ele se aproximou de nós e estalou a língua. - Seriam um novo tipo no meu catálogo. Cauê é um cara de sorte. Não acha Peter?

Seu sorriso de gato de Alice no País das maravilhas congelou meu rosto e senti falta de ar, meus músculos pareciam pedras de tão rígidos por causa da tensão emanada a cada milímetro de ar.

- Bem, daqui a dois minutos o idiota vai me ligar e é por isso que estou aqui. Para fazer uma acordo. - ele se explicou sentando na cama arrumada por Vivá.

- Que acordo? - perguntei com a boca seca e o coração palpitando.

- Ele achou que podia sair sem nenhuma consequência, e pior que poderia expor o esquema. - ele respondeu pegando o celular que tocava cortando o silêncio ao nosso redor. - Em vez de lhe dar juízo, Deus lhe deu beleza. - Ele revirou os olhos, e fitou o visor e virou a tela para que pudéssemos ver. Vivá agora estava ao meu lado, praticamente em cima de mim. A foto de Cauê sorrindo estava estampada ali, fazendo meu peito se contrair de preocupação.

- Alô? - sua voz era grave e peçonhenta. Um silêncio perdurou por alguns segundos. - Sem agressões verbais por favor, você não está em vantagem idiota. - mais silêncio. - Sim, as duas estão aqui. - ele abriu um sorriso diabólico ao ouvir o que quer que seja, de Cauê. - Então ela é a sua favorita. É rapaz, tens um bom gosto. - me encarou com o olhar lascivo. - Mas prefiro a selvagem. - seu comentário fez com que eu pegasse a mão trêmula de Vivá ao meu lado. - Sim. Estão sendo muito bem tratadas por Peter... Ok, você tem um minuto.

Ele estendeu o telefone pra mim, fiquei meio desnorteada, sem saber o que fazer. Até que me liguei que Cauê desejava falar comigo e tomei o celular com desespero.

- Alô? - minha voz já estava embargada.

- Maya? Cabocla você está bem? E o nosso filho? Pela Lua, onde estão? E Vivá e a criança? - ele me deixou atordoada com tantas perguntas. E só fui respondendo no automático.

- Sim estamos todos bem. E não sei onde estamos. Como você está? - minhas lágrimas jorravam em meu rosto e pude ouvir o soluço contido dele.

- Olha eu vou concertar tudo. Eu amo você, preciso que acredite nisto. - ele parou por uns instantes e respirou fundo, eu ouvi o seu desespero e era angustiante. - E mesmo que nunca mais voltemos a nos vê, conte a meu filho sobre mim. E saiba que sempre te amarei.

- Não se despeça, não faz isso. - minha garganta ardia e estava fechada. Tive grandes dificuldades em pronunciar as palavras. - Eu amo você, como nunca amei ninguém.

- Eu também te amo...

E o idiota tomou o celular da minha mão com brutalidade. E voltou a sentar-se na cama com toda a calma do mundo. Eu tentava desesperadamente secar as lágrimas teimosas. Olhei pra Vivá que me encarava com tristeza. E falei sem emitir som que ele havia perguntado por elas. Ela apertou minha mão que só agora me liguei que ainda estava segurando a dela. Mas assim permanecemos.

- Bom, já checou que suas garotas e os bebês estão bem. Por tanto preste bastante atenção, porque não vou repetir. - ele estava compenetrado e parecia ter esquecido da nossa presença. - Se em quarenta e oito horas você não tirar a queixa, e assinar o contrato que te enviei hoje, irei mandar que arranquem esses bastardos que suas mulheres carregam e os enviarei para o mercado negro e materei essas putas vagarosamente. Elas clamarão por você a cada segundo. Entendeu?

Tenho certeza que o sangue fugiu de meu rosto assim como o de Vivá e em extinto abracei minha barriga a fim de protege-la desse monstro. O medo percorreu todo o meu corpo, antes que eu pudesse reagir, Vivá caiu ao meu lado desmaiada.

- Você me conhece, sabe que sou capaz disso e de coisa pior. - ele dizia sem se importar com o desmaio de Vivá. Me abaixei com dificuldade para tentar acorda-la. - Não sei como você vai fazer, se vira. O prazo já foi estabelecido. Você tem quarenta e oito horas, contando a partir de agora.

Elo Perfeito #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora