Dezesseis

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Já estávamos entrando na estrada de chão que levava até a mata quando Vivá resolveu me encher o saco.

- Sabe cabocla, perante a tribo eu seria a segunda esposa, mas você deve me tratar como a primeira, afinal ele me escolheu. O que na verdade é mais importante, pois significa que você não é suficiente. - ela destila seu veneno colocando a mão na perna de Cauê que agarra o volante com força.

- Não me preocupo com você, nem com ele. Vou embora, e vou deixar tudo isso pra trás. - respondo olhando pela janela. - Pode ficar com esse... Com ele pra você! - ela solta um riso debochado e se não estivesse tão fraca, tiraria ele do seu rosto.

- Ah, você não pode simplesmente ir embora. Terá que passar o resto da sua vida assim! - ela rebate e abro a boca pra responder, mas resolvo ficar na minha, afinal não adianta nada discutir com ela. Estaria desperdiçando meu tempo. Fora que não tinha cabeça para pensar em formas de atingir Vivá. Meu coração estava quebrado demais!

Coloquei os fones do MP4 de Cauê, que fiz questão de trazer e abro o livro "A seleção" , mas não consigo ler nada pois "Versos simples" do Chimarruts inunda meus sentidos me transportando de volta aquele quarto, aquela sensação e o sentimento que desabrochou lá. Não consigo me conter e derramo minhas lágrimas idiotas.

Sempre pensei ser uma pessoa bem resolvida consigo mesma. Mas não sei nada sobre o que sinto! achei que amasse Cauê, agora acho que o odeio. Mas ao mesmo tempo acredito que a gente só ama uma vez na vida, e que esse amor não morre nunca. Eu não conseguia nem pensar em conviver com Vivá pelo resto da vida, ainda mais nesta situação tão bizarra. Estava tão confusa, tão perturbada. Só queria a minha vida de volta. Sem tribo, sem Cauê, sem Vivá, sem nada disso, sem amor.

- Chegamos. Vamos cobrir o carro. - Cauê anuncia descendo e pegando sua pequena mala.

Pego meus livros, o MP4 e algumas roupas quentes, afinal estavamos em uma época fria, e no meio da mata era bem mais frio. Assim que desço, Cauê se aproxima de mim e prendo a respiração.

- Você esqueceu disso. - levanta os dois colares e põe na minha mão, tocando suavemente meu pulso.

- Não esqueci, foi proposital. - reviro os olhos e me afasto do seu toque, para pegar alguns galhos.

Depois de cobrirmos, entramos na mata enquanto o sol ia se pondo tirando a nossa luz natural. Caminhei atrás do casalzinho, os pombinhos apaixonados. Ainda não consegui entender o que Vivá foi fazer no apartamento de Cauê, já que iríamos voltar para a aldeia no mesmo dia de sua chegada... Seja o que for, tenho certeza que o propósito primitivo era me humilhar, novamente!

O que eu fiz para merecer essa vida de merda?

Vivá fazia questão de se agarrar a ele, soltar risadinhas, como se houvesse piadas internas. Decidi bloquear tudo isso e me foquei nas músicas do repertório muito interessante de Cauê. Digamos que eu nunca diria que ele gostaria de músicas com tanta diferença, jamais pensaria que seu gosto musical fosse tão eclético assim. E eu amava isso!

Não sua burra! Você tem que odiar, tudo que vem dele, ou que tenha haver com ele!

Depois de uma hora mais ou menos de mata a dentro, começei a ouvir o barulho de música e meu coração se encheu de ansiedade. Assim que vejo a luz da fogueira saio correndo em direção a aldeia.

É estranho sentir saudades de um lugar que você odeia?

Algumas pessoas me olham com curiosidade, mas não me importo. Começo a procurar a única coisa que me importava neste lugar, minha mãe! Procuro por Itaky, sei que onde ele estiver minha mãe estará. Não demoro muito para encontra-lo ao lado do Pajé perto da fogueira, porém Kaolin não está por perto. Vou em direção a eles sem esperar por Cauê e Vivá. Minha vontade de ver, abraçar e tentar saber um pouco da minha história, gritava dentro de mim.

Elo Perfeito #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora