Trinta e cinco

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Desliguei o telefone e respirei fundo, bem fundo para não cair ali mesmo, de pernas para o ar.

Não ele não morreu, aquele imbecil só fez isso pra me assustar. É! Foi só pra me assustar.

Como precisava, necessitava acreditar nisso. Eu provavelmente não conseguiria fazer o que precisava fazer se me deixasse acreditar na morte de Cauê. O peso em meu coração chegava a me asfixiar de dor. Busquei o ar e sequei algumas lágrimas desesperadas. A mulher que antes não se preocupara com a minha presença, agora me observa com espanto. Devolvi o telefone verde, e com muita dificuldade me obriguei a sair daquela loja. Lá fora estava deserto e o sol estava para nascer assim como a filha de Vivá com Cauê, a dor que seu nome provocava em mim era bem pertinente.

Entrei no carro e Vivá estava na parte de trás do carro deitada, os gemidos dela logo me alertaram que não havia muito tempo. Ainda tínhamos meio tanque de gasolina, dava pra chegar na aldeia. Liguei o carro e saí de ré, olhando pelo retrovisor.

- Conseguiu falar com ele?- perguntou fraca.

- Infelizmente não. - respondi tentando esconder a emoção. - Vamos para a aldeia, mas você não vai conseguir ir até lá andando.

- Só precisamos chegar ao rio. - ela disse fazendo uma careta.

- Ok. Aguenta firme, em pouco tempo estaremos lá. - respondi pegando a pista unicamente.

O sol começava a emitir seus raios no horizonte, e tudo começava a ganhar vida. Tudo, exceto eu. A incerteza sobre a vida do homem que amo, me consome, me tira a paz, me faz sair do eixo. As várias lembranças de nós, do pouquinho de tempo que tivemos juntos, passam como filme romântico e turbulento em minha mente. Não sei em que momento elas vieram, mas as lágrimas inundaram meu rosto, e molharam minha roupa suja. Eu estava completamente perdida, apavorada.

Logo avistei a entrada que dava na reserva dos índios. Era meio estranho que de tantos lugares onde poderia ir me refugiar, ali tenha sido o único que eu realmente queria. Louco não?

Entrei na estrada de paralelo que logo depois foi substituída por barro e buracos. A mata ao nosso redor começava a se tornar gigante e viva, o vento forte e quente balançava os galhos robustos com veemência. Um calafrio percorreu, olhei pra trás e vi Vivá observar tudo com os olhos pretos como carvão inundados de lágrimas.

- É aqui. - ela disse apontando para um lugar com marcas de pneus, onde geralmente Cauê deixava o carro.

Parei o veículo onde ela apontou e coloquei-o mais para dentro da mata, olhei em volta procurando galhos para cobri-lo e ajudei a Vivá descer do carro. Peguei as sacolas e tranquei o nosso carro de fuga. Coloquei alguns galhos só pra não chamar a atenção. E comecei a caminhar, segurando as sacolas em um braço e o outro apoiava Vivá, que me surpreendeu ao caminhar sem muito esforço.

Seguimos uns cinco minutos mata a dentro e logo comecei a ouvir barulho de águas. Encarei os olhos negros dela, e como uma perfeita índia, começou a caminhar em direção ao barulho do rio. Apesar da sombra fornecida pelas árvores, a floresta estava bem abafada na verdade. Depois de alguns passos, avistei as águas cristalinas do rio que levava até a aldeia. Um alívio instantâneo acalmou meu espírito conturbado. Mais alguns passos e logo a margem do rio estava a nossos pés, era tão lindo, tão perfeito. Um lugar calmo e tranquilo, perfeito para uma soneca, afinal faziam dois dias que eu nem cochilava. Meu corpo precisava de um descanso, e eu realmente temia que toda essa agitação fizesse mal ao meu filho.

Coloquei as sacolas com as roupas em cima de uma pedra larga, bem na beira do rio. Tirei as sapatilhas e molhei os pés, a água não estava nem quente, nem fria, estava poderosamente perfeita. Relaxei na hora, agachei e molhei a nuca e o rosto e bebi um pouco. Ouvi um barulho das águas de agitando, observei enquanto Vivá entrava nas águas, com uma expressão de dor estampada em seu rosto bonito. Foi entradando mais nas águas até que elas estivessem em seus joelhos. Depois escorou-se em duas pedras bem redondas e foi agachando lentamente.

Elo Perfeito #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora