Margot é uma menina acostumada a dias comuns. Mesmo que alguns deles não sejam dias comumente agradáveis. E nem de seu agrado.
Mas como de seu costume, as seis e quarenta e cinco da manhã, Margot estava de pé a caminho de seu banho matinal. Ela particularmente apreciava seus banhos matinais. Mesmo que ainda coberta pela sua sonolência, forçava-se a lembrar qual acabara de ser seu sonho.
Margot sempre sonhava. E sempre sonhava três coisas por noite.
Como Margot contava os sonhos?
Margot sempre tivera teorias sobre muitas coisas. Por isso, tinha também a sua sobre os sonhos.
Para ela, eles eram compostos de três elementos básicos, e as vezes alguns adjacentes; Os básicos eram: o plano (lugar onde ocorria os acontecimentos), personagens (segundo sua opinião os sonhos precisam de personagens, mesmo que seja apenas ela como observadora), e o evento (pois nunca sonhara, nem ouvira falar de ninguém que sonhara uma imagem parada).
Já os adjacentes, acredita Margot, que depende do sonhador. Esses podem ser: Significados, referencias a realidade vivida entre outros.
Margot adorava sonhar. E mais ainda lembrar-se do seu sonho. Ela acreditava que sonhar era um dom e lembrá-lo era a manifestação dessa honra. Ela sentia-se privilegiada de conseguir lembrar-se de seus três sonhos quase todas as manhãs.
E era isto que fazia durante seus banhos matinais; passava e repassava seus sonhos, analisava seus diálogos, tentava identificar seus personagem e o mais importante, entrava em um infindo questionamento sobre o porquê seu subconsciente havia escolhido tal cenário, tais personagens e eventos.
Nem sempre ela chegava a conclusões findadas sobre tais questionamentos. Mas como Margot ama teorias, acaba seu banho sempre com algumas novas.
Após seu banho, passa mais alguns minutos criando diálogos impossíveis em frente ao espelho. Margot sempre amou diálogos impossíveis. E até mesmo criou alguns que a acompanham desde a infância, e vez ou outra, torna a conversar com seus fieis amigos inexistentes vindos de historias improváveis.
Após olhar-se para o espelho pela ultima vez, Margot decide se aprova ou não sua aparência para esse dia. Mas mesmo que não aprove, ela sai, preparando-se para a vida fora de sua zona de conforto.
Todos os dias (pelo menos os dias uteis), Margot faz o mesmo percurso em direção ao mesmo ponto de ônibus. Normalmente, enquanto o espera, ela lê. Seja lá qual for o livro que carrega em sua bolsa.
Mas hoje, considerando-se com sorte, Margot assim que chega ao ponto já consegue embarcar no ônibus. Deixando assim para abrir seu livro apenas quando senta-se.
Ela vai focada em analisar pela segunda vez Capitu. Lê mais detalhadamente cada um dos parágrafos, cada termo que bentinho usa; decidida a descobrir se afinal ele foi traído ou não.
Sua leitura segue-se até o momento em que deve desembarcar do ônibus. Ela nunca guarda o livro, sempre desce com ele na mão. Hoje não será diferente.
Ela levanta-se com o ônibus ainda em movimento e esforça-se para puxar a cordinha para avisar o motorista que ira descer. Um rapaz o faz antes dela, e ela mentalmente o agradece. Olha para ele e percebe que o uniforme que usa é do colégio em que ela estudou.
Ah, quantas lembranças são jorradas em sua mente!
Lembra-se do mau humor com que acordava para ir a escola, das boas amizades, das nem tão boas assim, das aventuras que viveu dentro no colégio e fora também, no horário em que deveria estar no colégio.
Olha para sua mão e ali vê. Dom Casmurro. Lembra-se da primeira pessoa que a incentivou a Lê-lo. Sua professora de português. Vá lá que não foi necessariamente um incentivo. Era obrigatório efetuar a leitura para fazer a prova. Lembra-se também que, para a prova não chegou a ler toda a obra. Apenas assistiu a minissérie que havia passado na TV. Mas de qualquer forma, seu primeiro contato com Machado de Assis foi por ela. E quantas vezes quis voltar para agradecê-la por ser tão boa professora, apesar de tão rígida e às vezes com uma aparência insensível. Mas Margot lembra-se que aparências são apenas isso, aparências.
Mas ali estava uma oportunidade de mandar a ela pelo menos um oi.
Ela desce do ônibus e percebe que o menino descerá logo após a idosa que está para descer após ela.
E então ele desce. Margot, acostumada a puxar assunto com pessoas desconhecidas pelo mínimo pretexto que seja, o cutuca com o dedo indicador e em um largo sorrido balbucia o melhor 'oi' que pode dar no momento.
Ele assustado, logicamente, diz seu 'oi' com ar de espanto.
Mas para Margot tudo bem. Ela acostumou com a reação assustada de suas vitimas de conversas aleatórias.
Ela começa por perguntar qual o curso que ele faz. Ele ainda em espanto responde: "eletrotécnica".
Como ela não suspeitou?
Durante a escola Margot tinha uma teoria sobre isto: Que cada aluno tinha a fisionomia do curso que deveria fazer. Por isso, por diversas vezes questionou em sua mente se a menina de cabelos laranja, que cursava analise clinicas, não teria escolhido o curso errado. Margot acreditava com todas as forças que sim. Pois a aparência da menina deixava claro que ela deveria fazer turismo. Todo seu cabelo enroladinho em cachos bagunçados e embrenhados, junto com sua aparência sóbria e ao mesmo tempo afável, na visão de Margot, não a deixava com ar de A.C.
Era uma menina doce só de olhar. Não era em si bela. Mas passava uma meiguice que tornava a sua companhia algo a ser desejado. Mesmo que Margot nunca nem mesmo tenha trocado uma palavra com ela.
Mas Margot lembra-se que aparências são apenas isso, aparências.
Mas mesmo lembrando-se disso o menino a sua frente com toda certeza tinha porte de quem fazia eletro.
Margot havia feito Administração naquela escola, e ele fazia eletro. Não teria como ele mandar seu 'oi' para a tão querida professora ( mui querida agora, que já não conviviam mais), ele não teria aulas com ela.
Então Margot seguiu seu caminho, deixando o menino olhando-a com ar de quem nada havia entendido. Mas ela, perdida em seu próprio universo, só iria perceber o clima estranho que havia deixado horas depois.
Ela foi a caminho de seu próximo ponto de ônibus. Onde ela, por sorte, como pensava, pegou rapidamente o próximo ônibus.
Ai então ela resolver guardar seu livro.
Margot apreciava as viagens de ônibus.
Alguns minutos depois, uma conhecida de seu trabalho entrou no ônibus. E para desgosto de Margot, sentou ao seu lado.
Não que Margot não gostasse de companhia. Muito pelo contrario. Tinha costume de puxar assunto com desconhecidos que sentavam ao seu lado.
Mas ela não era desconhecida. E isso fazia o clima mais pesado para Margot. Ela sentia-se obrigada a falar. Logo ela, que sempre gostou de ser espontânea e fazer apenas quanto tem vontade.
Mas tudo bem. Margot não demorava muito a gostar de companhia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O diário aleatório de Margot.
PoezjaQuerido Diário, Você foi criado para isto, ser diário. Em você falarei sobre coisas banais, pensamentos aleatórios ou apenas para escrever. Seja como for, que isso me ajude a quebrar alguns bloqueios de escrita. Não se sinta ofendido se o que for...