Lembrar dos anos anteriores sempre me deixava com raiva e desgosto de eu mesmo. Os acontecimentos que ocorreram naquela época me deixa assustado até hoje. Receber a visita de meu irmão e de Kelsey foi relevante para abrir meus olhos. Não sei ao certo quantos anos estou aprisionado neste corpo, mas tenho certeza que não sou poucos. Ren logicamente não mudou nada depois de tanto tempo, continua o mesmo obtuso e monótono de sempre. Já Kesley é muito interessante, conhecê-la naqueles poucos dias mudou literalmente minha vida e rotina, como uma reviravolta.
Voltei o local onde fora o acampamento. O cheiro deles já se foi, mas os vestígios continuam. Tenho que confessar que sinto saudade de vê-la dormindo naqueles trapos velhos com uma borboleta no casulo. Me transformei em humano e sentei no chão, ignorando as pedras, e reavaliei minha situação: eu estou em uma selva, sozinho, com Ren feliz lá fora acompanhado de uma linda garota, enquanto eu estou aqui, morto por dentro e esquecido pela humanidade, não passo de um homem com uma sorte desgraçada como companheira eterna. Dei a volta pelas montanhas e vi umas casas - que mais pareciam barracos idênticos à casas de baixa classe na antiga Índia -, vi várias e percebi que se tratava de um vilarejo. Estava de tarde e o sol estava escondido entre as nuvens, basicamente úmido.
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Crianças brincavam de correr uma atrás das outras em um tipo de praça, todas gritando ao mesmo tempo. Mulheres esticavam roupas em um fio amarrado entre duas árvores enquanto conversavam entre si. Homens comiam pão com salsicha dentro, e algum tipo de molho vermelho. O que me deixava intrigado, era que as roupas faziam um efeito tão gritante com as minhas, que percebi que não fazia uns simples 100 anos como eu esperava ser, se tratava de centenas de anos. As mulheres usavam calças e os homens short, algumas crianças seguravam brinquedos que eu conhecia, como pião, bonecas e carrinhos, mas outras estavam com uns tão estranhos que nem poderia descrever. Resolvi ficar entre os arbustos espiando como se moviam em um só, tudo muito movimentado, tudo feito com risos e sorrisos, uma pontada de inveja brotou dentro de mim, eles tem o que eu sempre quis: paz. Depois de meus minutos acabarem voltei á selva, onde fiquei andando de um lado á outro até pegar no sono.
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Duas semanas depois eu reaprendi a andar e falar normalmente, não como uma pessoa com aparência de ter sido esmagado por elefantes, mas como um humano normal. Também descobri que existem formas de se comunicar á distância, aqui chamam de celular, que é muito parecido com telefones antigos, mas com tela maior. O mais interessante foi a TV, é impressionante como se pode ver outras pessoas e saber de notícias de outros lugares sem estar neles, seria muito útil em guerras.
O tempo se passou rapidamente desde que eu comecei a me envolver por inteiro na vida das pessoas do vilarejo, percebi que tem muitas outras coisas que ainda posso descobrir. Um idoso muito simpático me entregou um relógio de pulso, me ajudou bastante a cronometrar o tempo que me resta como humano. Meu lado tigre fica inquieto quando meus minutos acabam. É uma tortura.
Uma certa tarde eu estava observando como homem crianças com seus brinquedos esquisitos que agora tinha nome: Hot Wheels, Casa da Barbie e por incrível que pareça, bonecos deformados que andavam e falavam. Meus minutos estavam acabando pelo tempo que eu já estava ali, assim voltei para a selva, já pensando no que faria no dia seguinte. Sentei em meio á pedras e fechei os olhos esperando o tigre voltar. Alguns minutos passaram e nada, mais uma hora e nada. E isso se repetiu pelos outros dias, já estava óbvio que Ren e Kelsey conseguiram algo na busca. Voltei no vilarejo e pedi ajuda á um homem com uma carroça para me ajudar a ligar para Kadam, como esperado ele não tinha a mínima ideia de quem era. Depois de várias tentativas consegui encontrar uma mulher que tinha um livro grosso cheio de números de centenas de pessoas.
[···]
Pessoas normais arrumariam suas malas para viajar para longe, eu não, tudo que tenho que levar é o meu relógio e uma marmita que peguei "emprestado" de um homem trabalhando. Kadam chegou rápido o que foi bom, não aguentava mais ficar naquela selva sozinho, fui embora sem olhar para trás.
Todo o caminho ele falou sobre as buscas, as armas e as profecias desvendadas. Eu estava com tanto sono que quase não ouvi o resto do relato. Quando finalmente cheguei, percebi que Ren cuidou muito bem de nossa casa, nenhuma planta em desordem, tudo limpo e tranquilo, nem parecia que morava um tigre e uma protegida de Durga ali. Dei uma última colherada na carne da marmita e sai do carro. O que eu diria? Oi, eu voltei, tudo bem com você? Idiota.
— Kishan pode entrar, afinal a casa é sua - disse Kadam sorrindo igual a um pai bobão.
— Tá. Só estava me alongando, ficar nesse cubículo é um pouco desconfortável.
Kadam estava muito diferente da última vez que eu o vi. Não no físico, quase não envelhecera, mas na aparência sim. Estava mais parecido com as pessoas do vilarejo.
— Ahm. Kadam. Poderia deixar minha chegada em segredo por enquanto? Prefiro tomar um banho antes.
— Claro. Como preferir.
Subi as escadas dos fundos e fui direto para o banheiro. Antes percebi que aqui também tem aquela TV. Mesmo depois de tantos anos eu me lembrava perfeitamente dos cômodos. Coloquei minha camisa preta mesmo e Kadam pegou uma calça no guarda-roupa de Ren. Kadam disse que Ren havia saído sem avisar e que Kelsey estava na piscina. Não pude deixar de sorrir, ver Kelsey de biquíni seria uma diversão e tanto. Desci e caminhei até a parte de trás da casa.
Quando cheguei lá, vi Kelsey boiando na água, para minha infelicidade ela estava de maiô, mas com suas curvas aparentes. Enquanto eu ia até ela me peguei com um sorriso bobo no rosto de novo. Parei em frente a ela e desejei ser um novo recomeço.
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A maldição do tigre - Versão Ren // Kishan
RomanceBaseada na história - A Maldição do Tigre - da Coleen Houck. Fatos relatados na versão de Ren e Kishan. Sentimentos e pensamentos dos nossos príncipes prediletos estão incluídos.