Uma hsitória triste.

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"Em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como uma criança não entrará nele."
(Lucas 18.17)

Nove anos depois...

     Dois tiros seguidos por algo caindo no chão duramente.

    Rafael fechou os olhos com mais força ainda, não queria imaginar quem era a vítima de seu padastro dessa vez.

    -Rafa? -Rita sussurrou em pé no escuro. -O que foi isso? -Ela perguntou com a voz embargada.

     O que menos eles precisavam era que sua irmã começasse a chorar e seu padastro descobrisse que eles estavam acordados.

    -Não foi nada, Rita. -Ele foi para o lado em seu colchão e levantou o lençol para que Rita se achegasse a ele.

    A garota era pequena e coube perfeitamente no espaço minúsculo.

    -VOCÊ PENSA QUE É QUEM PARA ME DESAFIAR DESSA FORMA? -A voz de Ronald, o padrasto de Rafael chegou até os dois. Certamente ele estava sob efeito de drogas.

    -Estou com medo, Rafa... -Rita sussurrou em seu peito.

    -Já disse que não é nada, Rita! -Ele tentou acalma-la, mas por dentro ele estava apenas sufocando o medo. Ele ainda era uma criança de apenas nove anos, não deveria ter que agir como um adulto.

    Outro tiro, dessa vez seguido pelo gemido de sua mãe.

    O garoto engoliu em seco e Rita choramingou.

    -Ei, Rita. Eu preciso ver o que está acontecendo.

    -Não! Por favor! Não vai! -Ela sussurrou desesperada, mesmo no escuro ele podia ver os olhos castanhos enormes implorando para que ele ficasse. -Ele vai machuca-lo.

    -Mas eu preciso ver o que está acontecendo!

    -Rafael!

     -Prometo para você que eu vou voltar. -Ele sussurrou a beijando na testa suada.

    O garoto se levantou e caminhou hesitantemente até a porta do quarto, respirou fundo e abriu apenas o bastante para poder ver.

    A luz da cozinha o cegou meramente e quando sua visão se acostumou com a claridade, o garoto sentiu repulsa em seu peito. Sua mãe estava deitada no chão, sangue escorria de seu peito e enxarcava todo o piso de madeira.

    -Mãe! -Rafael sussurrou e fechou a porta atras de si, não deixaria que sua irmã de apenas sete anos visse aquilo. O garoto correu até a sua mãe e a abraçou. -Mamãe!

    -Rafael... -A mulher abriu os olhos apenas o bastante para poder olhar. -Filho, saía daqui.

    -Não, mamãe! O que ele fez com a senhora?

    -Você tem que sair daqui com a sua irmã, ele vai voltar!

    -Não posso deixar a senhora, mamãe! Tenho que chamar ajuda, talvez a tia Rosa...

    Maria pegou a mão de seu filho.

     -Rafael, eu amo muito você e sua irmã, por isso peço que vocês me perdoem.

    -Perdoar pelo o quê, mamãe? -As lágrimas já desciam pelo rosto do garoto e Maria tentou limpa-las, mas apenas sujou o rosto de seu filho com sangue.

    -Por ter deixado esse monstro entrar em nossas vidas. -A voz dela estava por um fio.

    -Mamãe...

    Rafael escutou alguns passos vindo do lado de fora, certamente era Ronald.

    -Anda, saia daqui com sua irmã! -A mulher gritou, mas o garoto não se moveu. -ANDA! -Ela gritou e Rafael se assustou.

    O garoto se levantou e se virou para voltar para o quarto. Rita estava ali em pé, encostada no batente da porta. Ela havia visto tudo.

    Rafael a empurrou para dentro do quarto, esfregou os olhos para tirar as lágrimas que atrapalhavam sua visão e fechou a porta.

    -VOCÊ AINDA ESTÁ VIVA? -Seu padastro gritou. -COM QUEM VOCÊ ESTAVA FALANDO?

    O garoto sentiu seu peito apertar, logo aquele homem horrendo estaria ali e acabaria com sua vida e da sua irmã, ele tinha que fazer algo.

    -Rita, me ajude a empurrar esse guarda-roupa. -Ele sussurrou com urgência. -Precisamos tampar a porta.

    A garota concordou, os dois ainda eram muito pequenos, mas com muito esforço conseguiram mover o guarda-roupa.

    -QUE BARULHO É ESSE? -Ronald perguntou e olhou para o quarto, se lembrando das duas crianças. -NÃO ACREDITO QUE ME ESQUECI DAQUELAS PESTINHAS! -Ele disse olhando para Maria que estava com os olhos arregalados.

    -Meus filhos não, por favor...

    O homem começou a andar pesadamente até o quarto dos garotos.

    -Vamos, Rita! Só mais um pouco! -Rafael incentivou sua irmã sentindo os músculos de seus braços arderem.

    -ENTÃO AS DUAS CRIANÇAS ACHARAM QUE PODERIAM ESCAPAR DE MIM?

    Em um último esforço, os dois conseguiram colocar o guarda-roupa na frente da porta.

    Ronald empurrou a porta, mas não conseguiu.

    -O QUE FOI QUE VOCÊS FIZERAM?

    -Vamos coloca a cama da mamãe, também. -Rita sugeriu e os dois mesmo cansados empurraram a cama até a porta.

    -E agora? -Ela olhou para ele.

    Rafael apenas se jogou em seu colchão e colocou a mão do lado sinalizando para que ela se sentasse junto com ele.

    -E agora, somos apenas nós dois. -Ele encostou a cabeça na parede e começou a chorar.

    Aquela foi a última vez que Rafael permitiu-se ser criança.

Feito de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora