O sequestro e a tortura.

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"Por isso, não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia."
(2 Coríntios 4.16)

     Uma semana havia se passado quando Ronald resolveu aparecer. Rafael depois de alguns dias não havia dado crédito ao que sua irmã tinha falado até aquela sexta feira.

     Rafael havia feito tudo normal em sua rotina, acordava cedo, tomava seu banho, preparava seu café da manhã, ia para a escola, cumprimentava todos os moradores da Vila, e depois ia para casa de Bruno, mas dessa vez foi diferente.

     Quando Rafael caminhava de volta para casa depois de um dia exaustivo ele percebeu que alguém o seguia. O jovem olhou para trás diversas vezes, mas as sombras pareciam esconder o que quer que estivesse ali. Talvez fosse somente coisa da sua cabeça... Sem ter ideia do que estava fazendo, Rafael começou a correr e dessa vez teve a confirmação de que alguém o seguia quando escutou os passos atrás de si.

     Em nenhum momento o garoto ousou olhar para trás, quanto mais ele corria, mais quem quer que estivesse atrás dele corria também. Já quase sem fôlego e com as pernas gritando para que ele parasse, Rafael acabou entrando em uma viela sem saída.

     O rapaz virou para tentar sair dali quando dois homens o encurralou. Antes que Rafael pudesse fazer qualquer coisa eles avançaram derrubando o garoto, sentindo o lado esquerdo de sua cabeça doer, Rafael se xingou antes de cair em um sono profundo.

✝️✝️✝️

     O cheiro de mofo penetrou nas narinas de Rafael. Ele tentou abrir os olhos, mas uma dor incrivelmente grande latejava acima de seu olho esquerdo dificultando sua visão.

     Quando seus olhos se acostumaram com a escuridão, Rafael pode ver sua irmã sentada ao seu lado com os olhos fechados.

     -Rita! -Ele gritou com a sua voz rouca. Rafael tentou se mover, mas cordas apertadas prendiam o seu corpo contra a cadeira que estava sentado.

     -Rafael... -Os olhos de Rita brilharam no escuro. -Graças a Deus, você está vivo! Achei de verdade que você não iria acordar...

     -Onde nós estamos? –Rafael perguntou com o medo aflorando o seu peito. –Quem nos trouxe para cá? –Ele olhou apreensivo para sua irmã, e Rita sem conseguir mais esconder o seu medo começou a chorar.

     Rafael procurou lembrar-se de tudo que havia acontecido, mas em meio aos soluços de sua irmã ele só conseguia pensar na dor incrivelmente forte acima de seu olho. Quando finalmente Rita pareceu se acalmar e estar pronta para falar, a porta que estava a frente dos dois se abriu lançando uma claridade quase insuportável de se olhar sobre ambos.

     -Ora, ora, vejo que os meus pivetes queridos acordaram... Já estava na hora!

     Aquela voz. A voz que seria impossível para Rafael esquecer.

     A voz do homem que havia sem dó nem piedade tirado a vida de sua mãe.

     A voz de Ronald.

     -Não parecem muito felizes ao me verem. –Ronald fez um biquinho.

     -O que estamos fazendo aqui? –Rita perguntou.

     -O que você acha, querida? –Ele abriu um sorriso e Rafael viu que alguns dentes do fundo estavam em falta na boca do homem. –Vim retribuir todos esses anos longe de vocês.

     -Não precisava se incomodar. –Rafael resmungou baixinho.

     -Ah, mas é claro que eu precisava! Ou vocês acham que depois de tudo o que fizeram comigo, eu não ia vim aqui retribuir?

     -O que fizeram com você? –Rafael elevou a voz, sentindo o corpo tremer de ódio. –Você sempre maltratou a nossa mãe! E por fim tirou a vida dela!

     -Eu deveria ter acabado com vocês também!

     -Mas não conseguiu! –Agora foi a vez de Rita gritar. –Você é um covarde! Eu não me importo com o que tenha acontecido com você, mas tenho a plena certeza que deveriam ter feito mais, você merecia algo bem pior!

     O que aconteceu em seguida foi tão rápido que Rafael só entendeu o que estava acontecendo quando já era tarde de mais.

     Assim que Rita terminou de falar, algo acendeu nos olhos de Ronald. O homem sem piedade nenhuma pegou a garota pelos cabelos e a jogou no chão com toda a força que tinha. Ele levantou o punho e além de socar o rosto da garota, deu um belo chute em sua barriga.

     Um grito morreu na garganta de Rafael.

     -Para com isso! –Ele choramingou. Rafael tentou de todas as maneiras ser forte, mas ele não podia, todas as lágrimas, todos os medos, todos os terrores estavam ali. Ele não era mais um rapaz que estava aos poucos ganhando respeito na comunidade, ele era apenas uma criança de sete anos, com medo.

     -Está com medo, Rafinha? –Ronald sorriu maliciosamente, saboreando a dor que causava no pobre garoto. –Sempre odiei a forma como a sua mãe te tratava, cheio de beijinhos, um carinho aqui, um abraço ali... Eu sempre havia dito que dessa forma você nunca se tornaria um homem de verdade... E olha só.

     -SEU MONSTRO! –Rafael gritou com sua voz arranhando sua garganta. –EU TE ODEIO! VOCÊ DEVERIA TER MORRIDO! MINHA MÃE NUNCA DEVERIA TER FICADO COM ALGUÉM TÃO HORROROSO COMO VOCÊ!

     O queixo de Rafael pareceu sair de seu rosto com o soco que Ronald deu no garoto. Sua boca se encheu de sangue e seu estômago se contorceu.

     -Eu deveria matar vocês. –Ronald anunciou.

     Sem saber da onde aquela coragem saia, Rafael sorriu desafiadoramente:

     -Eu não tenho medo de morrer.

     Péssima ideia. Péssimo argumento. Péssima hora. Péssima situação.

     Ronald ergueu as sobrancelhas, tantos pensamentos pareciam estampados no rosto do homem, tantas ideias de como acabar com aquele garoto.

     -Rafa... –Rita gemeu de dor no chão e uma ideia brilhou na cabeça de Ronald.

     -Já que nenhuma dor física pode ser grande o bastante para vocês dois... –Ele caminhou e se ajoelhou em frente a Rita e começou a tirar a roupa da garota.

     -O que pensa que está fazen... –Rafael não precisou terminar a frase, Ronald já estava por cima do corpo de sua irmã.

     -Rafael... –Ela choramingou. -Por favor, não! Pare, por favor!

     O medo pareceu petrificar o corpo de Rafael. Ele não conseguiu falar ou fazer alguma coisa, apenas quando se tornou insuportável ver sua irmã sendo abusada por Ronald é que o rapaz conseguiu simplesmente fechar os olhos, mas era impossível calar os gemidos de dor de sua irmã ou os gemidos de prazer de Ronald.

     Aquilo era horrível e Rafael sentiu seu coração se rasgar por inteiro.

     Depois do que pareceu ser uma eternidade, Ronald se levantou e desamarrou as cordas de Rafael, no mesmo instante o rapaz se jogou ao lado de sua irmã e a abraçou em uma tentativa vã de cobrir sua nudez. Olhando para ela com a pouco luz que iluminava o lugar, o jovem pode ver os vários machucados que estavam sobre seu rosto e seu corpo, mas ele sabia que nenhuma daquelas feridas poderia ser comparadas a ferida que estava dentro de sua irmã.

     Com um sorriso no rosto Ronald saiu do quarto deixando os dois irmãos sozinhos.

     Rita não chorava, apenas tremia nos braços de Rafael, e o rapaz apenas pensava em como acabar com Ronald.

Feito de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora