Mas você não ia para a igreja?

519 74 2
                                    

"E Jesus lhe disse: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus."
(Lucas 9.62)


     Rafael não fazia ideia de quanto tempo havia ficado ali encarando a parede de seu quarto. Ele só conseguia se odiar, ele era horrível e seus pensamentos de culpa o consumiam.

     "Você é igual ao Ronald, no futuro certamente vai matar outra mulher tão doce como a sua mãe!"

     "Você é um monstro! Deveria sentir vergonha de se achar alguma coisa!"

     "Você deveria acabar com a sua própria vida, assim como fez com Ronald."

     "Vocês dois merecem o mesmo final!"

     "Sua arma está debaixo do colchão, é só pegar e atirar contra a sua cabeça."

     "Coloque um fim nisso tudo!"

     -CHEGA! –Rafael gritou sozinho em seu quarto. O rapaz não aguentava mais a si próprio. Ele precisava de algo para se distrair, antes que fizesse alguma besteira.

     Rafael se levantou e foi até a sua gaveta em que guardava a cocaína. Não tinha nenhum pino sequer ali, o que ele estranhou. Sempre tinha drogas em casa, pois a qualquer momento alguém vinha comprar dele... O rapaz revirou sua gaveta, mas não encontrou nada. Com raiva chutou sua cômoda e xingando baixinho pegou a primeira blusa de frio que encontrou e saiu de casa.

     O vento gelado bateu com força em seu rosto, ele pensou em voltar para casa, mas tinha medo de ficar sozinho com seus pensamentos. Ele estava assustado com as suas atitudes e tinha medo do que faria se ficasse mais algum tempo em seu quarto.

     Ele precisava relaxar, e só vinha uma maneira em sua cabeça.

     Ele precisava de alguma droga, ele não estava nem aí se nunca havia usado, mas ele precisava por algum momento fugir de si mesmo.

     Suas pernas agilmente encontraram o caminho para a boca mais próxima, a Vila estava silenciosa, o único som que se escutava na madrugada era alguns miados de gatos que estavam em cima dos telhados.

     -Fala aí, menor! -Santista o cumprimentou. -A essa hora na rua? Tá resolvendo que corre?

     -Preciso de um pouco do bagulho que você vende aí.

     -Oush, pra quê? -O homem perguntou.

     Quando Rafael ia responder um rapaz o interrompeu:

     -Eu preciso de duas pedras. -Ele falou e Rafael franziu as sobrancelhas. Ele conhecia aquela voz, ele não sabia da onde, mas tinha certeza que conhecia.

     O rapaz estava ao lado de Rafael, mas o capuz puxado sobre o rosto dificultava o reconhecimento de Rafael.

     -Aqui está. -O Santista ergueu uma sacola pequena e estendeu para o jovem.

     As mãos do rapaz tremiam pela fissura da substância. Ele pegou a droga em suas mãos e se virou para ir embora não sem antes olhar para Rafael fazendo o coração do jovem se apertar.

     Ele reconheceria aquele olhar em qualquer lugar.

     -Eduardo... -Ele sussurrou surpreso.

     -Rafael. -Os olhos esverdeados que antes eram tão cheios de vida se arregalaram mostrando olheiras profundas.

     -O que você está fazendo aqui? -Rafael perguntou desnorteado.

     Eduardo era a última pessoa que ele imaginaria estar ali comprando droga.

     -Destruindo a minha vida.

     -Como assim? Você não era da igreja?

     Eduardo riu secamente:

     -Estar na igreja não significa muita coisa.

     -Eduardo, eu não estou te entendendo...

     O rapaz sorriu, mas Rafael podia ver vestígios de tristeza em seu olhar. Eduardo colocou as mãos no ombro do garoto e respirou fundo:

     -Se um dia você se entregar para Deus de verdade, não olhe nem para a esquerda muito menos para a direita. Não volte atrás, porque tentar voltar para Deus é a pior coisa que eu estou enfrentando. –Ele fungou.

     -Mas, Eduardo... Cadê a Teresa?

     Eduardo balançou a cabeça.

     -Eu achei que no mundo eu ia encontrar tudo o que eu precisava, mas eu perdi tudo que eu de verdade necessitava. O mundo é uma ilusão, uma ilusão dolorosa, sabe por quê?

     Rafael balançou a cabeça negativamente com medo do que estava por vir.

      -É doloroso porque Deus não está lá. –E saiu andando.

     -Não sabia que você o conhecia. –O Santista falou quebrando o silêncio que restava.

     -Há quanto tempo ele compra com você?

     -Já vai fazer uns quatro meses. –O homem deu de ombros e o peito de Rafael se afundou. O que havia acontecido? –E aí, você vai querer o bagulho?

     Rafael olhou para as mãos do homem onde a droga estava. Ele queria relaxar, queria fugir um pouco de tudo aquilo, mas ao ver o estado de Eduardo sabia que não queria em hipótese nenhuma chegar a aquele estado.

     -Não, obrigado. –Ele falou puxando o capuz da blusa e caminhando em direção as vielas até o dia clarear.

Feito de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora