Ser duro como pedra.

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"Para tua perda, ó Israel, te rebelaste contra mim, contra o teu ajudador."
(Oséias 13.9)

Rafael respirou fundo, era tão simples fugir de toda aquela bagunça quando ele tinha um simples livro em suas mãos, era tão fácil fingir que sua vida não era horrível quando ele poderia ser quem quisesse com apenas uma leitura.

O rapaz pensava nisso quando do nada a porta da sala de Bruno se abriu revelando três homens carregando o mesmo em seus braços e Bruno gemendo de dor.

-Coloquem ele no sofá! -A voz de Sérgio se elevou urgente.

Agilmente os homens colocaram Bruno no sofá. Rafael se levantou e se aproximou do rapaz.

-O que acontec... -Rafael não terminou a frase, seus olhos rapidamente capturaram a perna ensanguentada de Bruno, o ferimento parecia ter sido ocasionado por tiro.

Confronto com a polícia, era óbvio.

-Vocês precisam leva-lo no médico! -Rafael falou assustado.

-Ele não pode dar entrada em um hospital. -Leandro entrou na sala e tirou a camisa que tampava seu rosto pousando a arma em cima da mesa. -Os tira logo saberiam e ele assim que saísse de lá iria direto pro ralo.

-Mas ele está perdendo sangue!

-Eu falei com o Falcão, mas ele está em outra cidade. Irá demorar um pouco para ele chegar aqui.

Falcão era um dos únicos médicos que fazia de tudo e ganhava maior nota por ajudar os traficantes em combate com assistência médica.

-E até lá não vamos fazer nada? -Rafael perguntou.

-Não tem muito o que fazer. -Leandro deu de ombros com seus olhos frios como gelo.

-Eu vou morrer? -Bruno perguntou com a testa formando várias gotículas de suor.

-Provável.

-Não! -Ele gritou. -Leandro! Por favor! Não me deixe morrer, cara! Eu não estou pronto! Velho! -Ele gritou rouco e uma careta de dor surgiu em seu rosto por conta do esforço.

-Eu não posso fazer nada. -Leandro se virou e saiu andando.

Rafael olhou para Bruno que respirava com dificuldade, e uma ideia surgiu em sua cabeça.

O garoto já tinha lido tantos livros que falavam sobre como estancar alguns tipos de feridas, por sempre admirar a medicina ele sempre procurava ler alguns livros daqueles tipos... Se ele conseguisse pelo menos fazer com que Bruno ficasse vivo até Falcão chegar...

Rapidamente ele pegou uma camiseta limpa que estava sobre o sofá e foi até a perna de Bruno. Ao olhar o sangue, se lembrou de sua mãe e como ele era tão impotente naquela época... Rafael balançou a cabeça e engoliu o caroço que se formava em sua garganta, o medo não poderia domina-lo, ele iria conseguir salvar Bruno.

Ou pelo menos tentaria.

Com a ajuda de Sérgio, os dois levantaram a perna de Bruno e Rafael começou a pressionar o ferimento.

-Eu não quero morrer. -Bruno sussurrou e lágrimas escorreram de seus olhos.

-Você não vai, confia em mim. -Rafael o encarou tentando demonstrar confiança.

-Está doendo muito! -O homem trincou os dentes e fechou os olhos.

-Ei, ei! -Rafael o chamou. -Fique acordado. Você não pode dormir agora.

-Eu estou sentindo tudo ao meu redor girar!

-Mas você tem que continuar acordado! -Rafael falou se impressionando com o autocontrole que tinha sobre a situação.

Logo a camisa ficou totalmente encharcada e Rafael trocou por outra, tentava manter uma conversa clara com Bruno, mas dava para perceber que logo, logo o homem perderia os sentidos completamente.

-Aqui está ele! -Matheus apontou para Bruno indicando o caminho para um casal que correu até Bruno empurrando Rafael e começando a tirar alguns materiais da bolsa que carregavam.

-Quem são eles? -Rafael perguntou.

-Lucas e Jana, o pai deles era enfermeiro, eles sabem o que estão fazendo. -Matheus sorriu e Rafael foi para a cozinha lavar as mãos.

-Não sabia que você manjava das coisas de primeiros socorros. -Sérgio falou admirado enquanto se sentava ao lado de Leandro.

-A gente acaba aprendendo quando sua mãe é morta com tiros na sua frente. -Rafael falou friamente enquanto tentava não chorar com tudo aquilo. Suas mãos tremiam e ele sentiu raiva de tudo aquilo.

-Você pretende ser médico, Rafael? -O homem continuou. Rafael apenas acenou com a cabeça. -Mas uma faculdade de medicina é o zói da cara!

-Mas ele vai estudar medicina, sim. -Leandro falou após ficar em silêncio por muito tempo. -Nem que eu tenha que pagar, Rafael irá se formar em uma das melhores faculdades de medicina.

-Uou. -Sérgio exclamou.

-Eu não preciso da sua ajuda. -Rafael falou se virando para o homem. -Não preciso que pague a faculdade para mim, eu trabalho. Eu posso me virar.

Rafael não queria mais depender de ninguém. Ele não sabia qual reação esperar de Leandro, achou que ele ficaria bravo, falaria que ele era um idiota por completo, mas tudo que Leandro fez foi dar um sorriso triste para o garoto:

-Admiro sua independência, Rafael. Mas isso ainda irá te prejudicar muito lá na frente.

-Como assim? -O rapaz perguntou inocentemente.

-Eu sei que houve milhares de motivos para você ficar assim, mas acredite esse seu coração de pedra ainda vai te dar muito trabalho. Chegará um dia que você vai precisar da ajuda de alguém, ou essa ajuda vai te quebrar ou você mesmo vai ter que se quebrar. Essa vai ser sua pior dor. Acredite em mim.

Rafael não respondeu. Motivos era o que não faltava para ele não confiar mais em ninguém, apenas em si próprio.

Feito de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora