Cura Interior

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"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de iniquidade."
(Mateus 23.25)


     -A Kelly não parou de olhar um só segundo para você. -Vitor cutucou Rafael que escrevia tudo o que seu professor falava.

     O rapaz olhou para trás discretamente e pode ver o sorriso de Kelly e sem perceber seus lábios acompanhavam o mesmo movimento.

     -Acho que você deveria ir falar com ela. -André sugeriu.

    -Você acha? -Rafael perguntou.

    -Tenho a absoluta certeza, vai que ela vai ser sua a noite toda fácil, fácil.

    -Como? -Rafael franziu as sobrancelhas.

     -Iiiih olha lá, Vitor! -André cutucou o amigo. -Rafael nunca ficou com uma menina!

     -Eita, suco de fruta! -Vitor começou a rir.

     -É claro que eu já fiquei! -As bochechas de Rafael queimaram com a mentira.

     -Aham, sei! -André piscou para Vitor. -Então vai logo e não perde a gata da Kelly!

     Rafael respirou fundo e se levantou.

     Kelly já estudava com ele a dois anos seguidos, ele sempre havia reparado na moça, mas nunca tinha tido coragem suficiente para iniciar uma conversa com ela.

     -É... Oi. -Ele falou timidamente colocando as mãos no bolso.

     -Olá! -Ela sorriu simpática e um peso saiu dos ombros de Rafael.

     Os dois ficaram em silêncio e o rapaz se sentiu incomodado:

     -Último ano da escola né... -Ele tentou puxar assunto, mas meu Deus! Como ele era horrível naquelas coisas.

     -Sim! Ano que vem faculdade... -Ela enrolou a ponta de seu cabelo no seu dedo indicador. -Já sabe o que quer estudar?

     -Medicina. -Rafael falou sem sombra de dúvidas. -E você?

     -Ainda estou pensando em qual vou fazer, medicina ou outra qualquer.

     -Por que está em dúvida? -Ele franziu as sobrancelhas. -Medicina é ótimo! Você vai poder ajudar outras pessoas!

     Kelly olhou para Rafael e sorriu como se estivesse lidando com uma criança inocente:

     -Me diga, Rafa, do que adianta cuidarmos do corpo da pessoa, curar suas feridas e tratar seus problemas, se em seu interior, aonde não conseguimos alcançar, aonde nenhum aparelho pode tocar, o interior, o mais íntimo da pessoa ela continuar enferma? -Ela respirou fundo. -Eu não sei se você entende isso, mas pra mim uma dor física não é nada comparada a uma dor no interior, uma dor que ninguém está vendo e que você não faz ideia de como cura-la.

     Rafael não respondeu, mas ele sabia de que dor Kelly falava. Ele tentou ajudar sua irmã de diversas formas, mas o machucado estava dentro dela, aonde o rapaz não podia alcançar.

     -Eu entendo o que você quer dizer, Kelly. -Ele sussurrou tristemente. -Mas como não podemos curar o interior das pessoas, temos que fazer aquilo que está ao nosso alcance. Cuidar das feridas exteriores é o mínimo que podemos fazer.

     Kelly sorriu e quando ia abrir a boca para dizer algo o sinal tocou anunciando o fim da aula, ela se levantou, colocou a mochila nos ombros e beijou a bochecha de Rafael.

     -Nos vemos por aí.

     E saiu com seus cabelos loiros balançando.

Feito de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora