"...e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém!"
(Mateus 28.20)A tarde havia esfriado consideravelmente e Rafael ajeitou o capuz da blusa sobre seus cabelos castanhos. Estava cansado, só pensava chegar em casa e deitar para recompor as forças. O dia havia sido incrivelmente agitado, mas ele sabia que ainda tinha milhares de lições para fazer quando chegasse.
O rapaz respirou fundo e quando chegou a porta de casa escutou alguns gritos de Helena.
-QUE SACO EM GAROTA! NÃO SABE FAZER NADA SUA FILHA DE UMA...
-O que está acontecendo aqui? -Rafael abriu a porta com força e olhou para sua tia. A mulher respirava com dificuldade e quando o garoto olhou para baixo, viu Rita com a mão no rosto de joelhos no chão.
-Estou ensinando algumas coisinhas para a sua irmã, moleque. Vê se não enche!
-Não é para bater nela! -Ele falou tentando soar o mais ameaçador possível.
-E quem é que vai me impedir de fazer isso? -Ela sorriu sarcasticamente.
-Eu já disse, não é para você bater nela! -Ele foi até a sua irmã e a abraçou, a garota tremia em seus braços.
-Veja só, o traficante achando que manda em algo. -Cleiton sorriu aparecendo na cozinha. -Tu pode até mandar naquela espelunca lá cheia de droga, mas aqui quem manda é a Helena, pivete. Se coloque no seu lugar!
Rafael olhou enfurecido para o seu tio.
-Graças a Deus que Maria não está viva para ver no que o seu filho se tornou! -Helena cuspiu aos pés de Rafael. -Ela teria vergonha de ti, ajudando traficantes! Que bom que ela morreu!
-Fica quieta! Tu não sabe de nada!
-É claro que eu sei!
-Vamos vazar daqui, Rita. -Rafael anunciou e sua irmã o encarou tirando alguns fios de cabelos que atrapalhavam a sua visão.
-Como é?
-Isso mesmo, estou cansado de todo dia ter que escutar as mesmas lorotas. Vamos vazar daqui.
-E quero saber para onde vai, pivete? Vocês só têm a mim e sua tia como parentes. -Cleiton cruzou os braços.
-Isso não importa, qualquer lugar é melhor do que ficar perto de vocês. -Rafael ignorou o olhar assustado de sua irmã e começou a se dirigir para a porta.
-E as nossas coisas? -Ela sussurrou.
-Não precisamos delas, Rita. Eu tenho você e você tem a mim.
Os dois saíram e o vento gelado pareceu arranhar o rosto de Rafael.
-Rafael não temos nenhum lugar para ficar... -Ela sussurrou a ponto de chorar.
Os dois andaram um pouco e quando Rafael olhou novamente para sua irmã viu os lábios da garota roxo de tanto frio, sem pensar duas vezes, tirou sua blusa e a cobriu.
-E você?
-Não estou com frio. -Ele falou e fechou os olhos ignorando todos os sentidos de seu corpo.
Os dois estavam sentados em um canto abraçados. Rafael sentia a respiração de sua irmã contra o seu corpo, ele tentava dormir diversas vezes, mas sempre que fechava os olhos a imagem de sua mãe cheia de sangue vinha a tona.
-Rafael? -Uma voz grossa o chamou. O garoto olhou para cima e viu Leandro o observando. -O que está fazendo aqui nesse frio?
-Nada. -Ele respondeu com a garganta seca.
-Vamos para a minha casa, há um quarto que dá para vocês dois.
-Eu não preciso da sua ajuda. -Ele respondeu. Rafael estava incrivelmente desgostoso com a vida, ninguém o poderia ajudar, ninguém era amigo dele de verdade.
-Mas sua irmã precisa, ela vai acabar morrendo nesse frio. -Leandro apontou para a garota que tremia nos braços de seu irmão.
Rafael queria discordar, queria ter argumentos suficientes para mostrar para Leandro que não precisava de ajuda, mas não tinha como.
O garoto se levantou e começou a seguir o homem, Leandro até se dispôs para carregar a garota, mas Rafael não quis. Mesmo com os braços dormentes de frio ele caminhou até a casa de Leandro sem resmungar uma palavra sequer.
Leandro os deixou bem à vontade e foi para o próprio quarto, com delicadeza Rafael colocou sua irmã na cama e respirou fundo.
-Rafael? -A garota abriu os olhos o bastante apenas para observar o seu irmão.
-Está tudo tranquilo, Rita. Vai ficar tudo normal.
-Onde estamos?
-Isso não importa agora, amanhã estaremos em nossa própria casa. Agora durma, você precisa descansar.
-Você também precisa. -Ela foi para o lado e sinalizou para ele deitar ao seu lado.
Rafael respirou fundo e se deitou. Não era somente seu corpo que estava exausto, mas sua alma estava cansada também. Por mais que quisesse, Rafael não se permitiu derramar nenhuma lágrima sequer.
A vida era dura, mas ele era mais ainda.
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Feito de Pedra
SpiritualE se voltássemos um pouco ao passado? Quantas lições memoráveis podemos tirar de lá com sabedoria? Antes que Rafael pudesse pensar, Deus já tinha um plano para a sua vida. Não entendemos o que passamos, mas lá na frente poderemos dizer o quanto apre...