"Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte."
(2 Coríntios 7.10)Mesmo convivendo com vários homens da Vila que portavam armas, Rafael nunca havia posto as mãos em uma. Mesmo em confrontos contra a polícia, a ideia de tirar a vida de alguém em um piscar de olhos não parecia tão tentador como estava sendo sempre quando pensava em Ronald.
-Vai ficar tudo bem... -Ele havia sussurrado para sua irmã quando finalmente haviam saído da cela que Ronald os prendera.
-Eu o odeio, Rafael. E quero que ele pague tudo o que ele fez com a gente! -Foram as únicas palavras de Rita depois do ocorrido.
E agora Rafael estava ali encostado na parede com a arma em suas mãos esperando o sinal de que deveria agir.
Ronald havia largado os dois, e Rafael não saberia dizer por quanto tempo havia ficado ali abraçando sua irmã. Apenas quando o sol havia clareado a sala que o rapaz sentiu que deveriam tomar alguma atitude.
Com a ajuda de Bruno e de Sérgio, e com o total apoio de Leandro, já que Ronald não só havia mexido com Rafael que era um deles, mas havia quebrado uma das regras primordiais ali da Vila que era ter abusado de uma garota, eles estavam determinados a fazer justiça com as próprias mãos.
Enquanto pensava nisso, Rafael apenas trocava a arma de uma mão para outra, mesmo com o vento gelado ele suava, a ansiedade e o nervosismo preenchiam o seu corpo.
-Ei, comédia. -Bruno apareceu com três homens logo atrás segurando Ronald pelos braços enquanto o mesmo se debatia em uma tentativa vã de se libertar.
-Vocês demoraram. -Foi a única coisa que Rafael sentiu vontade de dizer.
-Foi difícil encontra-lo, ninguém queria falar aonde ele estava. -Bruno falou.
-Vamos acabar logo com isso. -Sérgio tirou a arma da cintura e engatilhou.
-Ah, quem vai dar as honras? -Múrilo perguntou.
-Não, deixem que eu faça isso. -A voz de Rafael se tornou estranha ao seus próprios ouvidos.
Bruno sorriu como se realmente esperasse aquele tipo de atitude vinda de Rafael e esperava ansiosamente por aquele momento, pois ele sabia também que Rafael nunca havia dado um tiro sequer e aquele era o momento de ver se o garoto realmente valia a pena de ser integrado de verdade no tráfico.
Rafael se aproximou de Ronald e o homem ergueu os olhos para o garoto. Sangue seco estava grudado em seu nariz e sua mão parecia retorcida de um jeito que certamente estava quebrada.
-Não acredito que você está envolvido com esses garotos. -Ronald sorriu. -Você realmente é um desgraçado, que bom que acabei com a vida inútil da sua mãe... -O rosto de Rafael continuou impassível. -E sua irmã é uma delicinha.
Sem pensar duas vezes Rafael desceu o cabo da arma contra o rosto de Ronald. O homem cuspiu sangue no chão e olhou novamente para o rapaz que apontava a arma diretamente para a sua cabeça.
-Você não atiraria em mim. -Ele sorriu.
-E por que não? -Rafael perguntou sentindo sua mão tremer.
-Porque você é um covarde, Rafael. Diga o que quiser, faça a pose que você quiser, mas eu o conheço. Você tem medo, Rafael. E se condena por isso, afinal ter medo é ser fraco.
-Cala a boca. -Rafael trincou os dentes.
-Você sabe que é verdade, Rafael. Você é fraco, tenta proteger sua irmã, mas não consegue nem se proteger...
-Rafael... -Bruno colocou a mão sobre o ombro do garoto. -Não precisa fazer isso se não quiser.
-Mas eu quero! -Rafael soluçou. -Eu preciso! Pela Rita...
-Acabem logo com isso, esse pirralho não consegue fazer nada, ele é fraco!
E foi então que Rafael apertou o gatilho contra a testa de Ronald.
Por um momento todos ficaram em silêncio e Rafael deu mais um disparo. Não se perdoaria se Ronald continuasse vivo.
Ainda assim, Rafael sabia que tudo o que o homem havia dito era verdade.
Ele era fraco, mas ninguém precisava falar isso.
E o muro que Rafael construiu ao redor de si era impenetrável, a criança de sete anos que existia nele estava presa e sufocada dentro de si.
E a cada pessoa que morria pelas mãos do garoto era uma imagem que voltava a noite para o assombrar.
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Feito de Pedra
SpiritualE se voltássemos um pouco ao passado? Quantas lições memoráveis podemos tirar de lá com sabedoria? Antes que Rafael pudesse pensar, Deus já tinha um plano para a sua vida. Não entendemos o que passamos, mas lá na frente poderemos dizer o quanto apre...