11 - 23 de março - parte I

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Conto lentamente as horas até o sol começar a despontar. Sei que ele está surgindo porque as sombras que os galhos formam na parede da barraca são, ao mesmo tempo, reconfortantes e assustadoras.

Eu e Liam passamos a noite inteira tentando nos distrair com piadas e histórias antigas, como quando começamos a falar um com o outro.

Nós estávamos sozinhos na sala de aula para fazer uma prova de segunda chamada e ele foi obrigado a ser legal comigo para que eu emprestasse uma caneta. Era isso ou entregar metade da avaliação em branco.

Teve também a vez que meu pai quis me dar uma viagem de férias quando eu fiz 16 anos.

A ideia era irmos, eu, Liam, Tricia e Seth para o Walt Disney World, na Flórida. Mas eu acabei decepcionando todos eles quando preferi passar o verão na África fazendo trabalho voluntário.

Liam é o típico garoto americano que eu só percebi que realmente existe depois de viver uma experiência internacional.

Seu pai é médico e sua família tem muito dinheiro. Ele mora em uma casa extremamente grande e bem decorada, onde tudo tem o seu devido lugar. Eu preciso tomar cuidado toda vez que vou lá para não derrubar nada sequer.

Então é de se imaginar que ele nunca tenha tido nenhum problema na vida. Mas a verdade é que Liam é muito mais do que um estereótipo de garoto americano. Ele mudou toda a sua vida quando a mãe começou a enfrentar uma batalha contra o câncer.

Carol precisou de muito apoio da família e dos amigos na parte crítica da doença, e a atmosfera de medo de que o câncer volte nunca deixou realmente a casa dos Bentley.

- Não vai mesmo dormir nada? – Liam pergunta baixinho para não acordar Seth e Tricia.

Mas, do nosso lado, eles estão tão quietos que duvido que estejam dormindo de fato. Tricia costuma falar quando sonha e, agora, o silêncio dentro da barraca é quase palpável.

- Não. – Respondo baixo também, mesmo sabendo que não corro muitos riscos de interromper o sono de ninguém. – Eu vou ter muito tempo para dormir em casa, de preferência com Lena ao meu lado e a certeza de que estamos sãos e salvos longe desse lugar.

- Esse garotinho... Você acha mesmo que era Noah, que essa história toda é real e ele está... de alguma forma... vagando por aqui?

- Você é quem deveria me responder isso, né? – Sorrio com o sarcasmo. – Eu não sei se ele está aqui, mas alguém apareceu no meu sonho e acordei com o braço queimado. Se o nome dele era Noah, Jonah, Peter ou Jackson, pouco me importa pra falar a verdade.

- Desculpa, eu não...

- Não, me desculpa. Eu não deveria ter falado assim com você. É só que estou com os nervos à flor da pele aqui. Desculpa.

- Fica tranquila, ok? Vamos dar mais um tempinho para a temperatura subir um pouco e podemos voltar a procurar a trilha.

É só quando ele menciona a temperatura que eu percebo que estou tremendo de frio. O efeito do remédio deve estar passando. Enquanto não cuidar desse maldito corte infecionado, meu corpo vai continuar batalhando com essas bactérias idiotas, fazendo a febre ir e vir constantemente.

Veja bem, a febre nada mais é do que a ação de prostaglandinas, substâncias produzidas pelos glóbulos brancos, no hipotálamo, o termômetro do nosso corpo. Então, quando não houver mais infecção e meu corpo parar de produzir glóbulos brancos descontroladamente, eu vou me livrar dessa prostração e letargia que me impedem de correr e pular para achar o caminho de volta para casa. Ou, pelo menos, vou ficar na pendência só do meu incrível senso de equilíbrio.

A Lenda de Noah [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora