14 - 24 de março de 2016 - parte I

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Nós tentamos arrancar qualquer coisa do velho, mas tudo o que conseguimos é seu nome: Raymond.

Pouco antes de deitar, ele disse que poderíamos passar a noite em sua casa se quiséssemos, mas que estava cansado demais para conversar.

Liam, que parece o mais desconfortável com a situação, não pregou o olho a noite inteira. E eu, como boa amiga que sou, fiz companhia o máximo que consegui, até ele sorrir e pedir que eu descansasse.

Nós não tivemos nem o mínimo de conforto. Os meninos estenderam no chão duas mantas que tínhamos e deitamos nelas, no único espaço que conseguimos.

De um modo geral, eu me sinto bem, quase normal. Tirando o cansaço generalizado, gerado por todo o estresse da viagem, eu acho que consigo chegar até o carro sem grandes dificuldades.

Minha mão ainda dói, mas talvez a penicilina esteja fazendo efeito contra os agentes microbianos e colocando tudo em seu devido lugar. O inchaço e a temperatura também diminuíram consideravelmente.

Sei que estou acordada quando os raios de sol atingem minhas pálpebras. Mas, por um momento, permaneço de olhos fechados, esperando que a consciência da nossa situação me atinja.

Hoje é dia 24, o dia que combinamos de voltar para Seattle. Penso se minha mãe terá sanidade o suficiente para pedir ajuda a alguém caso eu não apareça até o anoitecer. Ou se Lena vai mesmo preparar os biscoitos de massinha que me prometeu.

Espero que os pais de algum dos meninos acionem todas as equipes de busca possíveis caso não consigamos sair daqui.

Quando abro os olhos, a primeira coisa que faço é checar o celular para ver se um milagre aconteceu e temos algum sinal. Nem mesmo a chamada de emergência funciona no momento. Eu ficaria mais do que feliz em ligar para o 911 e pedir ajuda.

Ao meu lado, Seth e Tricia dormem abraçados. Mas, do lado de fora da casa, consigo ver Liam e Raymond conversando através da porta aberta.

Eles falam tão baixo que não posso ouvir nada, então decido me levantar.

Ao fazê-lo, percebo o quanto meu corpo me despreza pelas situações extremas em que eu o coloco. Sinto a existência de cada um dos meus cerca de 650 músculos, até mesmo o menor deles, o estapédio, que fica junto com o tímpano.

- Bom dia. – Falo quando eles percebem que estou me aproximando.

- Tina! Está se sentindo bem?

- Sim... Bom dia, Senhor Raymond.

- Bom dia, Valentina. Espero que tenha passado uma noite decente.

- Foi definitivamente melhor do que as anteriores. – Sorrio.

- Eu acho que ainda temos alguma coisa para tomar café da manhã. – Liam fala. – O senhor aceita? Temos pão, pasta de amendoim e salsichas enlatadas.

Raymond aceitou na mesma hora, embora nunca tivesse comido nem uma coisa, nem outra.

Seth e Tricia se juntam a nós em um silêncio quase palpável. Eles são os mais receosos em relação a Raymond, e não é como se eu pudesse culpá-los.

- Quando nós podemos ir? – Tricia pergunta, recusando o sanduíche que eu estendo para ela.

- Depois da comida. – Raymond diz.

- Não é melhor irmos logo? O senhor disse que vamos levar quase um dia de caminhada, então quanto antes formos, melhor, não?

- Seth... Vamos comer justamente para aguentar a caminhada, ok?

A Lenda de Noah [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora