O Dr. Vince me deixa sozinha por um momento depois da nossa primeira sessão. Ele diz que eu mereço esse tempo para organizar meus pensamentos sem que outra pessoa interfira sem parar.
Quem não fica muito feliz com isso é meu pai. Ele só aceitou sair do meu lado quando a enfermeira chegou para me ajudar no banho e ele aproveitou para tomar um café. Então sei que ele está roendo as unhas do lado de fora do quarto enquanto o relógio corre lentamente a hora que o Dr. Vince me deu.
Talvez eu também não tenha gostado muito da ideia. Sei que o objetivo é que eu tente me colocar de volta no eixo, mas toda vez que fecho os olhos lembro da floresta e sinto meu coração acelerar.
Então chamo a única pessoa que pode me entender: Seth. Ele está no quarto ao lado, também tendo, teoricamente, seu momento a sós.
Ouço os protestos do meu pai quando Seth entra no quarto. Ele também quer entrar e "me dar o suporte que eu preciso". Mas mal sabe ele que eu só quero sair daqui e voltar para os meus livros e Lena.
- E aí?
Quando Seth se aproxima e senta no sofá ao meu lado, não consigo impedir que algumas lágrimas rolem pelo meu rosto. É inútil tentar segurá-las.
- Ah, Seth...
Inclino o corpo para deitar em seu colo e suas mãos vão imediatamente para afagar meu cabelo. Mesmo que eu não esteja vendo, sei que ele também está chorando.
Essa é a primeira vez que nos vemos e o peso de tudo que aconteceu começa a querer nos esmagar.
- Vai ficar tudo bem. – Ele repete o que tem me falado todos esses dias.
Eu ainda não tenho certeza disso. De certa forma, eu quero sentir toda a dor que envolve a morte dos meus dois melhores amigos. É justo que eu sinta a falta deles. E qualquer forma de aliviar isso me parece uma grande falta de consideração com eles.
- Você já encontrou os pais deles? – Pergunto.
Seth assente com a cabeça. Eu sei que a mãe de Tricia esteve aqui mais cedo, mas eu me recusei a recebê-la. Não consegui suportar a ideia de encarar Regina.
- Regina e Carol estavam inconsoláveis. Os pais de Liam estão aqui desde ontem à noite. Acho que eles gostariam de te ver.
Faço que não com a cabeça. Se eu tenho essa sensação esmagadora dentro de mim, não consigo imaginar como eles devem se sentir agora.
- Eu não posso...
Tenho a perfeita noção de que minha voz não passa de um sussurro abafado, mas também sei que Seth ouviu com clareza cada palavra porque recebo um aperto no ombro de sua parte.
- E a sua mãe, como ela está?
Ah, minha mãe...
Pelo que eu sei, ela está no meio de um dos seus sumiços. Ela não faz a menor ideia do que aconteceu porque está ocupada demais bebendo ou se drogando. O que realmente importa é que ela não está aqui. Não foi ela que me abraçou e cuidou de mim quando passei a noite inteira entre crises de choro e dor. Não foi ela quem me lembrou de agradecer por estar viva quando me acalmei. E o mais importante, não foi ela quem demonstrou que, não importa o que aconteça, eu sou a pessoa mais importante para ela.
Mas, ao invés de falar tudo isso, apenas dou de ombros e comento por alto:
- Não sei. Talvez esteja em casa com Lena e Bob.
- Sinto muito por ela não ter vindo.
- Não, não tem problema. É até melhor que ela não tenha vindo. Ela não tem estrutura emocional pra lidar com essa situação.
Ficamos em silêncio por alguns minutos.
Embaixo de mim, Seth não ousa de mexer. Talvez porque também esteja entorpecido demais para sentir qualquer desconforto por ficar na mesma posição por muito tempo. Ou então porque acha que, se ficarmos imóveis o suficiente, é como se também não mais existíssemos. E então tudo fizesse um pouco mais de sentido.
- Você acha que consegue ir ao funeral?
- Não sei... Meu pai disse por alto que vai ser amanhã, mas não falou nada sobre nós irmos. Eu acho que ele não quer que eu vá, mas... Sinto que é o mínimo que eu poderia fazer.
- Pois é...
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Como de praxe, chove bastante em Seattle na manhã de hoje.
Meu pai não queria deixar eu ir no funeral de jeito nenhum, e foi preciso que o Dr. Vince dissesse que era importante esse momento da despedida.
Bob me trouxe um vestido preto e nos acompanhou por todo o percurso. Ele e meu pai não são os melhores amigos do mundo, e tudo bem, eu também não sou tão próxima assim dele, de modo que o trajeto todo é feito em silêncio.
A chuva castiga enquanto subimos uma colina, seguindo o cortejo liderado por Regina e Carol. Paige, irmã de Tricia que é da idade de Lena, chora copiosamente ao lado da mãe, e meu coração de desmancha pela dor tão pura e sincera que ela demonstra.
Os raios de sol fazem com que o orvalho brilhe na grama verde como uma homenagem às duas pessoas incríveis que foram Liam e Patricia. Embora os dias de chuva sejam comuns por aqui, esse sol que quase nos esquenta é mais difícil de acontecer.
Seth está ao meu lado o tempo todo. Ele também chora e precisa limpar o rosto inúmeras vezes.
Eu me sinto mal porque talvez tenha esgotado minha capacidade de chorar e acho que não estou mostrando o verdadeiro caos instaurado dentro de mim. Ou então é essa justamente a justificativa da minha inesperada falta de emoção. Estou tão bagunçada por dentro que sequer consigo externar como estou quebrada.
Andamos um bom tempo até chegarmos no lugar escolhido pelas famílias de Liam e Tricia. É uma área bem bonita, do tipo que é difícil associar a um cemitério. Há uma grande árvore entre as covas já cavadas, que as cobre quase inteiramente com a sobra de sua grande copa densa.
A parte mais difícil é quando baixam o caixão. Só então o choque da realidade me atinge com força total. Então eu sei, com todas as partes conscientes e subconscientes de mim, que eles não vão voltar.
- Eu ainda não acredito... – Falo baixinho.
- Parece tudo um pesadelo, né? – Seth sussurra com a voz embargada.
Um pesadelo horrível e interminável, que eu revivo cada vez que ouso fechar os olhos, mesmo que por uma fração de segundo.
Seth percebe que eu vacilo e passa um braço em torno dos meus ombros. Ele praticamente me sustenta, mas também está fraco e não é o suficiente para me impedir de cair de joelhos.
Como reflexo, espalmo ambas as mãos no chão e estremeço quando aquela enfaixada toca a terra molhada. Mas não me importo com a dor física. Ela não é nada se comparada com a que eu sinto em meu coração.
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Olá!!!!
Vocês acharam que eu nunca mais fosse postar né? Eu sei disso, DESCULPA!
Agora que só falta o último capítulo, quem sabe eu não consigo terminar logo?
Enfim, espero que estejam, apesar desse meu atraso todo pra postar :/
Um beijinho, até o final!
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A Lenda de Noah [COMPLETO]
Mystery / ThrillerSPRING BREAK! O feriado mais esperado pelos jovens americanos chegou e os planos de viagens, festas e festivais de músicas já estão a todo vapor. Tudo que Tina quer é um tempo longe da faculdade para aproveitar com sua irmãzinha Lena. Mas, Liam se j...