20 - 26 de março de 2016 - parte I

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Nós passamos o que pareceu uma eternidade sem nos movimentar.

Sinto a chuva lavar minha alma, embora seja incapaz de levar consigo o luto.

De tempos em tempos Raymond engasga e me lembra que não tem muito mais tempo de vida. Mas não consigo sair do lugar. A ideia de deixar o corpo de Tricia para trás é extremamente cruel e difícil.

Liam mantém o tempo todo um braço em torno da minha cintura, nos deixando em uma posição não muito confortável. Mas dessa forma me sinto protegida e por isso não me atrevo a sair.

Olhar para Seth é insuportável. Ele chorou baixinho sobre o peito de Tricia até que não tivesse mais lágrimas. Mesmo não assumindo, eles eram um casal. Talvez com uma amizade maior até que o romance, mas era inegável a cumplicidade e fidelidade dos dois.

Não sei o que fazer ou o que falar, mas cada minuto conta e o relógio não parece estar do nosso lado.

O silêncio reina por completo há várias horas. Nem o vento ousa correr e até a chuva faz questão de não fazer barulho por entre as folhas.

Em meu subconsciente, ainda espero que Tricia busque por ar ou abra os olhos de repente. Eu me recuso a acreditar que ela está realmente morta.

E então volto a chorar.

Liam me aperta e Seth me estende a mão.

Quando estico o braço para segurar em Seth, sinto uma pressão tão grande na cabeça que não sei qual a necessidade mais urgente, a de vomitar ou gritar.

Sinto meus olhos revirarem involuntariamente, sem que eu possa fazer nada para detê-los. Não posso desmaiar agora, não posso desmaiar agora, tento mentalizar o mantra.

Tenho uma leve consciência de Liam e Seth chamando meu nome, mas não consigo encontrar minha voz para tranquilizá-los.

Então, quando menos espero, sou sugada para dentro de mim mesma e tudo parece entrar perfeitamente nos eixos.

Não há mais dor ou qualquer sensação estranha e ruim. Aliás, a paz que domina o lugar me faz duvidar que estejamos no mesmo lugar.

O sol brilha forte no sol e eu posso ouvir o canto dos passarinhos ao redor de mim.

Estou sozinha em uma mini clareira, sentada no chão florido. Não está frio ou chovendo e cada gota de orvalho na ponta da grama parece ter sido depositada durante o sereno da noite.

E, sem que eu esteja esperando, Tricia aparece e se senta em minha frente.

Assim como eu, ela não está mais vestida nas roupas molhadas de inverno, e sim com um look bem levinho de verão.

- Tina, não se preocupe, está tudo bem. – Ela sorri para mim.

Sua expressão é tranquila e de paz, condiz com o que está dizendo.

- Ah, Tricia!

Antes que ela possa me impedir, jogo meus braços em torno do seu pescoço e deixo as lágrimas escorrerem.

- Shh... Fica calma, está tudo bem.

Tricia acaricia meu cabelo até que os soluços se acalmem e eu consiga levantar para ver seu rosto.

- Isso não pode estar acontecendo de verdade. – Choramingo. – Onde nós estamos?

- Levando em consideração que esse é o seu subconsciente, eu ia te fazer essa mesma pergunta.

A Lenda de Noah [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora