CAPÍTULO DOIS Ela ouviu.

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Aquela era a primeira noite após o acontecido. O quarto com uma metade vazia, mas nada que amedrontasse Laura. Virou-se para o lado da parede e cobriu a cabeça com o cobertor para não ver a cama de Bianca, para as prateleiras cheias de pertences dela, para a janela por onde ela entrava tarde da noite após os encontros às escondidas com Marcelo. Laura queria se convencer de que não estava com medo, de que aquela insônia não tinha nada relacionado com a morte da irmã e com sua participação nela. Colocou o pé, com firmeza, para fora da cama, apertou a torneira que pingava e fechou a porta do banheiro. Caminhou pelo corredor encostando as mãos de um lado e outro da parede, até chegar na cozinha, acender a luz e tomar um copo d'água.

***

Dois pares de pegadas na areia.

Laura e Bianca corriam aos olhos atentos dos pais. Os gritos de empolgação eram mais de Bianca, e nada de Laura conseguir alcançá-la e dizer: "Agora está com você!". Mas, quando finalmente conseguiu, Bianca deu a brincadeira por encerrada.

- O mar é bonito, né, Laura?

- Ele é... Agora entendi o seu sonho de conhecer ele.

Não era exatamente um bom dia para ir à praia, estava nublado, frio e pouca gente caminhava por ali naquela manhã.

- Era um sonho mesmo. O rio estava pequeno demais pra mim. Mas eu ainda amo ele. O rio de Santa Liberdade é meu, todinho meu, Laura. De ponta a ponta.

- Então eu fico com o mar pra mim, que é muito maior e bem mais bonito.

- Como você é espertinha, hein! – As duas deram risada. – E qual é o seu sonho, Laura?

- O meu? Bem, acho que queria ter um rosto só meu.

- Egoísta!

- É que ás vezes é chato ter alguém igualzinho a você por aí. É estranho, sei lá...

- Nós não somos exatamente iguais, Laura, você é aleijada.

- Eu não sou aleijada, eu ando! Para de me chamar assim! – Laura empurra a irmã e sai. Ouve o grito do pai de longe, mas nem liga.

- Vai, foge de mim! – Bianca grita – Ou eu te mato afogada! Eu sou a dona do rio, do mar e de toda a água que existe no mundo!

***

Naquela mesma noite, alguém bateu insistentemente à janela do quarto. Laura hesitou por algum tempo, até tomar coragem de levantar para abrir. Era Marcelo, que pulou para dentro com rapidez e fúria, empurrando a garota contra a parede:

- Agora você vai me explicar como que a Bianca morreu.

- O que é isso, Marcelo? Você tá ficando maluco?

- Você estava com ela e de repente ela morre afogada na droga de um rio. Pra mim isso está muito estranho.

- Eu não estava com ela. Sabe quando você voltou furioso e foi embora com o Fernando? Então, eu não desci mais pro rio, voltei pra casa.

- Se você tivesse voltado nada disso teria acontecido.

- Só que eu não vou me culpar por isso. Não é justo comigo.

Marcelo larga a garota e começa a olhar tudo em volta, o quarto lembrava Bianca em tudo.

- Esse quarto é seu também, né? Mas tem muito mais dela.

Logo pela manhã Laura começou a mudar o quarto, retirando os objetos das prateleiras, as fotos das paredes, os adesivos dos móveis, mas quando Helena viu aquilo, ficou possessa:

Ela precisa voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora