Santa Liberdade, 1995.
"Uma forte chuva caiu durante a noite, mas aquele dia amanheceu ensolarado."
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- Você é linda e é minha.
Helena estava sentada à beira do rio com a filha de Laura no colo. Era como se ela tivesse saído de seu próprio ventre. Sentiaum amor maternal cada vez que a olhava.
Achuva lavou o sangue de ambas. Mas Helena olhou para as mãos e as viu sujas debarro. Repousou a criança com cuidado e delicadeza ao pé da árvore e desceu até seus pés encostarem na água, que estava gelada e a arrepiou inteira. Olhou de volta para a menina, em seguida enfiou as mãos no rio e as lavou, sempre voltando a olhar para trás. Pôs os cabelos desgrenhados atrás da orelha e passou uma mão molhada sobre eles, a fim de arrumá-los. Foi quando ouviu a criança choramingar. Foi rápida e subiu a pequena ribanceira. Não viu a criança. Ela não estava mais onde a deixara. Porém, o choro continuava. Vinha de um lado. De repente vinha de outro lado. E em seguida o que ela ouviu foi choro vindo de todas as direções.
Onde ela estava? Alguém a tinha levado dela. O choro estava em sua cabeça? Não, o choro era real. Real como o rio que corria logo abaixo. Real como suas mãos machucadas. Real como a dor que sentia desde que perdera Bianca.
- Foi você, Laura? Você a roubou de mim outra vez? - Gritava Helena.
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Não era difícil notar que havia algo errado, Nana sempre levantava antes do sol. O cheiro de café podia ser sentido de qualquer lugar daquela fazenda. Todos os peões adoravam passar pela cozinha só para roubar um gole, com Nana sempre bem humorada, era fácil também beliscar um pedaço de pão ou de bolo. Mas naquela manhã tudo foi diferente. O primeiro a notar foi Virgílio, dizendo algumas palavras de julgamento, como se Nana, em todos aqueles anos, alguma vez já tivesse errado ou deixado de exercer seu trabalho.
Fernando voltou para casa. Pela fresta da porta do quarto da mãe, percebeu que ela ainda estava na cama. Estranho.
- Mãe?
Nana não se moveu. Nana nem respirava. O rapaz percebeu isso ao tocá-la, sentindo sua mão fria, seu corpo frio, o coração sem batimentos. Sua mãe estava morta. Morreu durante a noite de alguma causa natural, pois não havia sinal algum de qualquer outra coisa.
Fernando já era normalmente um rapaz sensível. Diante da morte da mãe, desabou. Parecia uma criança sozinha e desamparada. Foi dela o único amor que recebera desde que nasceu. O único amor no qual sempre pôde confiar. Era dela que vinha toda sua proteção. E o mundo lhe parecia menos duro quando estava perto dela. Era sua mãe, a figura já era forte por si só, mas além de mãe ela também foi pai. Nana foi casada com um antigo peão da fazenda, grávida de Fernando, perdeu o marido que morreu após uma queda de cavalo.
Agora havia chegado a vez de Nana.
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Izabel e Thirza não encontraram a ponte que sempre usavam para atravessar de um lado para o outro do rio, ela havia caído com toda aquela chuva. A enchente as impediria de passar e estavam ameaçadas a permanecerem do outro lado.
- Deve haver alguma forma de passarmos, mãe, não podemos ficar aqui.
- Foi uma tempestade das mais violentas.
- Não dá para chegarmos do outro lado da margem a nado?
- Podemos tentar.
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Laura se arrastou até a casa de Izabel. Mal conseguia permanecer de pé. Mas ao chegar lá, o que encontrou foi um amontoado de destroços, a casa tinha sido destruída pela chuva. Ouviu uma voz de lamento que vinha de trás, virou lentamente o sua cabeça na direção e viu Izabel e Thirza, as duas molhadas e tristes com o que viam:
- Nossa casa! O que você fez, Laura? O que aconteceu aqui? - Gritou Thirza.
- Eu... - Laura levou as mãos à cabeça.
- A culpa não é dela, Thirza, foi toda aquela chuva. - Izabel correu para cima dos destroços e aumentou sua aflição por não encontrar o velho caderno de sabedoria.
- Espera... Você não está mais grávida! - Disse Thirza, reparando em Laura.
Quando as forças de Laura findaram, ela caiu desmaiada. Izabel largou o que estava fazendo e correu para acudi-la.
- Ela não está mais grávida, mãe!
- Sim, Thirza, ela não está mais grávida. Agora preciso da sua ajuda para... Meu Deus, o que nós vamos fazer?
- O que aconteceu, mãe?
- Eu não sei! Eu não sei o que aconteceu!
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Fernando recebeu o abraço de Marcelo.
Os dois permaneceram abraçados durante o velório, enquanto Fernando chorava copiosamente. Apenas chorava. Sentia aquela dor terrível e chorava. Não era justo, era o que achava, de alguma forma perder a mãe não era justo. Não naquele momento. Não ainda.
Marcelo o levou para fora e segurou seu ombro.
- Eu estou com você, meu irmão.
- Você não estaria se conseguisse lembrar de tudo. Você não estaria se fosse o Marcelo de sempre.
- Como assim?
- E ainda bem que não. - Disse isso abraçando Marcelo.
- Eu também vou sentir a falta de Nana. Parece que eu sentia o que ia acontecer. Estive com ela ontem durante muito tempo depois que você saiu. Ela me deu seu colo e foi maravilhoso estar lá.
- Como isso aconteceu?
- A morte?
- Sim, essa droga!
- Eu não sei. Dizem que há hora certa pra isso. Ela estava bem, não estava? Digo... Sua aparência. Ela apenas foi dormir e...
- Não, essa não era a hora certa.
Marcelo apertou o rosto de Fernando sobre seu peito e foi o apoio do rapaz naquele momento.
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Helena voltou para casa. Encontrou Vicente na sala, mas era como se não o tivesse notado:
- Mas o que aconteceu com você. - Perguntou o marido, vendo o estado no qual ela se encontrava. - Onde esteve esse tempo todo? E por que está assim?
Helena não parou. Seguiu apressada e meio desorientada. Ia de um cômodo a outro da casa, sendo seguida por Vicente que tentava arrancar dela alguma explicação. Quando aquela situação estava quase o deixando maluco, ele segurou firme a mulher e perguntou em bom e alto tom:
- O que diabos está acontecendo com você?
- Ela voltou.
- Ela voltou?
- Ela voltou.
- Quem voltou? Quem?
- Ela voltou! Ela voltou!
- Quem voltou, merda?
- A velha manca. Aquela maldita voltou do inferno para me atormentar. Voltou para se vingar! Ela voltou e levou minha filha de mim. Levou minha filha. Levou duas vezes minha filha de mim!
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Ela precisa voltar
Misterio / SuspensoQuando Laura deixa sua irmã gêmea morrer afogada por conta da raiva que alimenta por ela, coisas estranhas começam a acontecer. Ela então descobre que só encontrará paz se trouxer a irmã de volta.