- Eu não sei do que você está falando.
- Sabe, sim. Não negue.
***
Laura e Bianca tinham oito anos quando o pai das duas lhes trouxe um passarinho dentro de uma gaiola. Bianca tinha pedido que lhe trouxessem um fazia tempo.
- Ele canta, pai? - Bianca perguntou.
- E canta muito bonito. É um canário, filha.
- Você já pensou em que nome vai dar pra ele, Bianca? - Perguntou Laura.
- Ainda não. E nem te interessa!
- Para, eu também quero cuidar dele.
- O passarinho é meu, viu? Só meu!
Vicente observava a discussão das duas e se aproximou:
- Bianca, o passarinho também é de sua irmã. Comprei para as duas.
- Viu só?
- Não é justo. - Protestou Bianca.
- Por que não é justo?
- Eu pedi, pai. É meu e pronto!
- Não interessa, o que importa é que pertence às duas e cabe a vocês cuidarem dele, certo?
Bianca não aceitou ter que dividir o canário e no mesmo dia, quando Laura foi colocar comida para ele, o passarinho estava morto dentro da gaiola com os olhos para fora, como se tivesse sido apertado com força até morrer.
***
Laura pediu para que a garota a seguisse de longe, e depois de terem andado bastante para ficarem mais longe das outras pessoas:
- Eu pensei que você ia me fazer andar Santa Liberdade inteira. - Reclamou a garota. - Se bem que a cidade é tão pequena que nem dá pra cansar.
- Quem é você?
- Eu me chamo Thirza, sou nova aqui. Estou no primeiro ano.
- Me explica o que você sabe.
- Eu não sei como você conseguiu agir daquela maneira na frente de todo mundo. As pessoas sentem pena de você, mas estão diante da culpada pelo que aconteceu.
- Eu não sou a culpada de nada!
- Você fica aí tentando se enganar.
- Dá pra me explicar logo de uma vez como você sabe?
- Eu sei de muita coisa. Minha família tem esse dom.
- Então você não viu nada?
- Eu vi em você. O seu rosto reflete sua irmã gritando socorro. A água entrando pela boca e nariz. Ela estava desesperada.
- Nunca mais olhe na minha cara ou cruze o meu caminho. O que você tem são visões, não há como provar nada.
Laura dá as costas e começa a caminhar:
- Mas eu não quero provar nada, eu quero te ajudar.
Mas Laura continua andando e Thirza fala algo mais:
- Quando aquela água toda inundou o quarto, ela estava lá.
Laura parou, olhou para trás e estava muito assustada. Resolveu voltar atrás e ouvir o que a garota tinha para lhe falar. Só que ela ouviu a voz de Fernando a chamando e recuou.
Thirza estava morando numa velha casa próxima a cachoeira, havia chegado em Santa Liberdade fazia pouco tempo, vivia com sua mãe, uma mulher de meia idade que herdou de seus antepassados o dom de lidar com o sobrenatural. Sabia feitiços, magias e não se considerava uma bruxa, mas sim uma sábia. Thirza, com seus quartoze anos, já aprendeu bastante coisa observando a mãe, mas não sabia dominar princípios que exigiam maior experiência e domínio. A casa era normal, nada de símbolos, potes com poções ou caldeirão, o que sabiam estava guardado com elas.
X
Marcelo não conseguia se recuperar da perda, levou uma garrafa de bebida do pai para o seu quarto e esvaziou. Ficou ali lembrando daquele dia, achando que era o culpado, pensando que Bianca se matou, ela não tinha morrido, havia se matado por ele ter brigado com ela. Saiu tropeçando pela casa, já era noite, foi até o estábulo e montou em seu cavalo. A imagem e voz de Bianca em sua cabeça. Cavalgava pela estrada de terra cercada de mata, não conseguia mais enxergar nada à sua frente, estava simplesmente sendo levado por seu cavalo, enquanto Bianca estava ali dizendo que o amava, mas isso não aliviava o sentimento de culpa que ele vinha alimentando. Ele levou às mãos até a cabeça, como se sentisse uma forte dor, e acabou caindo do animal.
X
"- Quando aquela água toda inundou o quarto, ela estava lá."
Laura estava parada embaixo do chuveiro, mas sem coragem para ligá-lo. Arriscou girar aos poucos, até um filete de água cair sobre o seu rosto. Olhou para o chão, tudo normal. Girou mais e água começou a cair com força, só que com força demais, Laura mal conseguia ficar de pé embaixo dela. Se afastou, sem desligar, e sentou-se no canto, tremendo como se sentisse muito frio, observando a força com que a água caía. Queria não estar sentindo medo, principalmente quando voltou a acontecer o mesmo que no dia anterior, o box começou a ficar cheio de água, e ela levantou com rapidez, pegou a toalha e saiu. Estava decidida de que devia falar com Thirza, aquilo amedrontou muito. O barulho da água caindo continuava vindo do banheiro, até que, finalmente, cessou.
No dia seguinte, logo pela manhã, a notícia era o sumiço de Marcelo. Alguns diziam que ele havia se matado, outros achavam que ele tinha enlouquecido e que fugiu. O pai dele mandou todos os seus homens fazerem uma busca pela região. Seu cavalo tinha sido encontrado na estrada, mas nem sinal dele por perto.
No colégio não se falava em outra coisa. Laura procurou por Thirza a manhã inteira, até que ela a viu no fim da aula.
- Eu preciso falar com você. - Disse Laura.
- Que mudança, hein.
- É sério, aquela coisa estranha com a água voltou a acontecer. O que você pode fazer pra me ajudar?
- Eu não posso fazer nada.
- Então o quê?
- Eu conheço quem pode.
- Então eu preciso o mais rápido possível que você me leve até essa pessoa. Mas, antes, você sabe o que aconteceu com o Marcelo?
Thirza caminhava pela mata com Laura logo atrás dela. Os galhos mortos e as folhas secas estavam úmidos e nem faziam barulho quando quebravam sob seus pés. O barulho do rio ficava cada vez mais alto à medida que se aproximavam, a correnteza continuava forte. Quando já era possível ver o rio, Thirza apontou na direção e quando Laura olhou, ela viu Marcelo flutuando na superfície, e mesmo com aquela correnteza toda, ele continuava parado num único ponto, sem ser levado. Os olhos dela eram uma mistura de surpresa e pânico.
- A gente precisa tirar ele de lá! - Laura disse, desesperada. - Agora!
- Não.
- Ele tá morto?
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Ela precisa voltar
Mystery / ThrillerQuando Laura deixa sua irmã gêmea morrer afogada por conta da raiva que alimenta por ela, coisas estranhas começam a acontecer. Ela então descobre que só encontrará paz se trouxer a irmã de volta.