CAPÍTULO VINTE E CINCO - Milagres são para os bons.

1.1K 167 26
                                    


Eles estão a alguns metros do carro, que está virado e destruído.

Laura tem um corte acima da sobrancelha e outros leves machucados pelo corpo, nada grave. Marcelo também tem alguns leves machucados. Nada grave. Os dois estão sentados sobre uma pequena vegetação perto da estrada.

- Nós somos dois desgraçados. - Diz Marcelo. - Nenhum está salvo.

- Por que a gente ainda tá vivo? Deveríamos ter morrido. Olha o estado que ficou o seu carro.

- Milagre não foi. Será que Deus teria pena de duas criaturas abomináveis como a gente?

- Só se ele estivesse nos dando uma segunda chance.

- Pra quê?

- Para fazermos algo bom.

- Eu queria ter morrido.

- Você acha que não é capaz de fazer algo de bom nessa vida?

- Não... Não é isso. Quer dizer, eu não sei.

Os dois voltaram a ficar em silêncio. Laura sofria pela morte de Fernando, mas naquele momento já não sentia tanto ódio por Marcelo, era como se enxergasse nele. E isso para ela era totalmente estranho. Desejava não sentir-se assim. De repente ela também queria que aquela fosse a última noite de sua vida.

- E se a gente fosse no baile? - Sugeriu Laura.

- Nós dois, como um par?

- Como a última noite de nossas vidas.

- Você está pensando em tentar se matar de novo e outra vez me levar junto?

- Eu tô achando que ela vem.

A luz de um farol de carro surge sobre os dois. Eles olham para trás com os olhos semicerrados. Quem sai de dentro do veículo é Vicente, que voltava da visita à Helena:

- Vocês estão bem? Vi o carro capotado de longe.

- Estamos, pai! - Responde Laura.

- Laura? - Vicente se assusta ao ouvir a voz da filha e corre na na direção dos dois. - O que aconteceu? Pelo amor de Deus, como você está?

- Calma. Eu estou bem. 

- E você? É o Marcelo? Como assim? Me expliquem o que vocês estavam fazendo, para onde iam!

- Nos leve daqui. - Pede Laura. - Só isso.

Em silêncio durante toda a viagem de volta, com Laura cortando todo tipo de manifestação de seu pai que queria entender, queria levá-los ao hospital, queria saber. 

Fazer algo bom, pensava Marcelo no banco de trás. 

- Você pode me deixar em  casa, seu Vicente. - Pediu o rapaz.

Quando chegaram na fazenda, assim que Marcelo abriu a porta do carro, Laura virou para ele e perguntou:

- Onde ele está?

Marcelo parecia não ter entendido e ela tentou novamente:

- Onde você o... Onde o deixou?

- Ah. - Pediu para que ela saísse e explicou onde enterrou Fernando.

X

Antes de deixar Laura no pé de um morro, Vicente tentou arrancar da filha alguma resposta para tudo o que estava acontecendo. Mas ela fez silêncio para tudo o que ele perguntava. O que acabou deixando ele enlouquecido de tanta dúvida. Saindo do carro, a garota caminhou pesarosa morro acima. Uma noite que parecia não ter fim, e ainda nem deviam passar das nove. Esbarrou na cova, literalmente, caindo sobre ela ou quase dentro, já que Marcelo não se preocupou em cobri-la por completo.Cerrou um punho apertando forte a terra e chorou como se houvesse segurado todas aquelas lágrimas uma vida inteira. O vestido estava sujo, assim como o seu rosto... 

Assim como sua alma, ela pensou.

Gostaria de ter sido alguém melhor, alguém que merecesse estar ao lado de Fernando, alguém que não carregasse tanta crueldade dentro de si... Alguém que fosse exatamente o que Fernando foi. Nunca sentiu nada ruim perto dele. 

Ela era a única coisa de ruim que ele tinha.

Laura sentiu que havia mais alguém ali. 

Alguém como um espírito? Estava tendo uma experiência muito forte em relação a isso desde que... Bem, desde que tudo aconteceu.

Tinha motivos suficientes para acreditar que Fernando estava ali.

Mas se era possível Bianca voltar, por que Izabel não poderia ajudá-la a trazer Fernando de volta?

X

Antes que Thirza puxasse o zíper do vestido, Marcelo gritou seu nome com uma voz ofegante, ainda se aproximava da casa, corria muito. A garota estava decepcionada e já desistira, mas ainda havia esperança dentro dela de que Marcelo apareceria. Os olhos dela sorriram e ela foi rápida em atender a porta:

- Você demorou.

- Essas coisas acabam tarde. Agora é que deve estar bom. Vamos?

- Claro!

Fazer algo bom. 

X

- Eu sei que você está aí, Fernando!

- Não.

- O quê?

- Não.

Laura começou a perseguir uma voz no meio da mata. Uma voz que era tão forte que parecia uma presença física. Laura podia ouvir algo capaz de guiá-la por entre as árvores, as passagens entre arbustos, as pedras altas.

- Eu vou te alcançar, Fernando!

Fernando?

Parada no meio daquela mata, sozinha, Laura quis ouvir novamente a voz que agora havia sumido.

- Você está aí?

- Não. - Respondeu a voz.

- Não. - Laura cruzou os braços junto ao corpo como num abraço. - Essa voz não é sua, Fernando. Você não é o Fernando!

Laura se sentiu desprotegida, sozinha e com medo. Hesitou em dar um único passo, fosse em qualquer direção. 

Aliás, não havia direção alguma... Para trás? Para frente? Para que lado?

- EU QUERO MORRER! - Gritou na esperança de que alguém a escutasse e lhe atendesse. Realmente desejava aquilo. 

Para Laura, não havia mais caminho a partir dali.

Era o fim.


Ela precisa voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora