CAPÍTULO UM - Ela viu.

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Santa Liberdade, 1995.

"Uma forte chuva caiu durante três dias, mas esse Sábado amanheceu ensolarado."

A regra era clara: Nada de sair para tomar banho no rio. A mãe das duas deixou-lhes com este recado antes de sair para a reunião de Sábado no colégio onde era diretora. Toda a chuva dos últimos dias havia provocado uma cheia, e elas não queriam perder a oportunidade de pularem do alto da ingazeira direto na água. E por mais que Laura quisesse muito ir, toda a insistência em desobedecer a mãe era de Bianca, que alegava ser a irmã gêmea mais velha por um minuto e meio de diferença. E mesmo tendo convicção do erro que estava cometendo, Laura cedeu, pois Bianca exercia certo poder sobre ela. No meio do caminho, cercado de mata dos dois lados, um rapaz saltou bem diante das duas, era Marcelo, namorado de Bianca. Alto e bastante bonito, logo atrás dele, praticamente escondido, estava Fernando, que lhe servia como uma espécie de faz-tudo, mas que era a pessoa por quem Laura estava apaixonada.

- Viu só irmã como eu sou legal? Pedi até que o Marcelo trouxesse o Fernando junto.

Laura abriu um sorriso e se aproximou do rapaz ao passo que sua irmã e Marcelo já estavam aos beijos.

Bianca e Marcelo deixaram Laura e Fernando no meio do caminho e seguiram em direção ao rio.

O barulho alto da água que corria forte. Marcelo sugeriu que encontrassem um ponto sem correnteza, mas Bianca era teimosa e insistiu que ficassem ali:

- Não é possível que eu tenha um namorado tão molenga. - Ela disse isso e se jogou na água. Sumiu por alguns segundos e logo ressurgiu.

- Você quase me mata, hein - Ele disse após um respiro de alívio - Meus pais vivem dizendo que água não tem cabelo. Sai daí, Bianca, você está praticamente sendo carregada.

Bianca nadou com dificuldade até a beirada e Marcelo a puxou pelo braço:

- Eu não sei como eu aguento a sua chatice!

- E eu não sei como eu aguento esse seu jeito. Você nunca me ouve, Bianca!

***

- Fico feliz por você ter vindo. Eu estava morrendo de saudade.

- Eu também, Laura. Mas você me disse pra ficar longe por um tempo. Só vim mesmo porque o Marcelo mandou.

- Já falei pra você que é aquele problema com meus pais, eles não gostam de você, dizem que não é bom o suficiente pra mim... Que enquanto minha irmã namora um cara que tem um futuro garantido, que vai ser herdeiro de uma fortuna; o meu namorado é o moço que limpa o chão que ess cara com o futuro garantido pisa.

Fernando pareceu não ficar ofendido com aquilo. Afinal, aquele era o seu trabalho e era muito digno. Para ele Marcelo sempre o tratara como irmão, foram criados juntos, pois a mãe de Fernando era a cozinheira da casa de Marcelo. O pai do namorado de Bianca era um rico fazendeiro com terras a se perder de vista e incontáveis cabeças de gado.

- E isso importa pra você?

- Claro que não, eu te amo! - Disse ela, dando-lhe um abraço. - Mas a opinião dos meus pais tem um peso, sim.

- Eu sei, Laura.

- E você, Fernando, precisa se impor mais. Olha o meu caso: Passei a vida inteira sendo considerada a gêmea defeituosa, nasci manca... Meus pais sempre me trataram diferente, o que é estranho, pois o natural seria que eles tivessem mais cuidado comigo, algo assim... Só que, principalmente na infância, eles me isolavam. "Esta é nossa filha, olha como ela está linda!" falavam quando chegava alguma visita. Então eu aparecia e "Esta é a outra". Eu sentia isso e comecei a ficar ali, recolhida enquanto a Bianca ganhava todo o amor e atenção. E, vejam só, eles nem se sentiam incomodados com a minha ausência, claro, quem precisa mostrar uma filha estranha que anda estranho. Bianca e eu somos idênticas, mas essa minha perna mais curta que a outra é o que nos diferencia.

Ela precisa voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora