CAPÍTULO VINTE E QUATRO - Dois pesos e duas medidas.

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- Eu tinha planejado de outra forma. - Diz Marcelo, olhando o corpo de Fernando que agora está dentro de uma cova - Iria te deixar ferido para depois ver você abrindo os olhos aí embaixo, daí eu iria jogando terra lentamente sobre você. Isso te faz lembrar alguma coisa? Ah, os mortos não lembram de nada, mas eu estou vivo e lembro de tudo. - Ele se vira e pega uma pá. Vai jogando areia até Fernando ficar totalmente coberto. - Acho que pra você acaba por aqui.

X

Um vestido de chita azul com detalhes em dourado. Laura tinha pedido para a melhor costureira da cidade fazer. Depois de colocá-lo em seu corpo, caia tão bem, foi para a frente do espelho e rodopiou. Passou uma maquiagem leve, arrumou o cabelo e borrifou um pouco de perfume no pescoço e sobre a roupa. Pronto, agora era só esperar por Fernando. Seu pai não estava em casa, tinha ido visitar Helena e até então ainda não havia retornado.

Thirza também ficou pronta cedo. Estava ansiosa para adentrar o salão do baile de braços dados com Marcelo. Fantasiou isso desde que ele aceitou levá-la.

- Como estou? - Pergunta Thirza, se apresentando para Izabel.

- Linda. Linda como sempre é.

- Ah, mas não quero estar como sempre. Hoje tem que ser especial.

- Então você está especialmente linda.

X

A água do chuveiro cai sobre o corpo de Marcelo, escorrendo junto com suor, barro e sangue. Ele se sentia superior, estava saciado, mas não completamente. Queria mais. Sua sede de vingança ainda não estava totalmente saciada.

A camionete para em frente a casa de Laura. Ela levanta do sofá, onde esperava impacientemente por Fernando. Olha pela janela. Ele deve estar querendo surpreender, pensa.

- Fernando?

Mas quem sai de dentro do automóvel é Marcelo. Ela estranha.

- Sei que não sou quem você esperava.

- Onde está o Fernando?

- Ele já está te esperando no baile.

- Eu não estou entendendo.

- Olha, ele quer te fazer algum tipo de surpresa. Me pediu que te levasse até lá. Agora o que ele pretende eu não sei. Quem sabe vem pedido de casamento por aí.

Laura fica pensativa.

- Vamos? - Insiste Marcelo

- Não, tudo bem. Eu posso ir sozinha. Nem é tão longe.

- Mas eu prometi pra ele que te levaria.

- O importante é eu chegar lá, não importa como. Certo?

- Entra, Laura. - Marcelo fala com grosseria. Mas percebe e muda o tom. - Por favor, é sério.

Laura solta expira ar pela boca e assente, em seguida indica o carro com a cabeça e Marcelo abre a porta do carona, abrindo também um sorriso.

X

Thirza fica para lá e para cá na sala. Olha pela janela, tira a sandália apertada, volta a colocar no pé. Izabel diz que logo ela irá fazer um buraco ali. Nem sinal de Marcelo. Será que aconteceu alguma coisa? O vestido é tão bonito, mal podia esperar para chegar no baile e ouvir as pessoas dizerem que gostaram. Não, vai ver é só um atraso bobo, vai ver ele nem está atrasado, ela é que está ansiosa demais.

- Calma, Thirza. Calma, paciência.

- É que eu esperei tanto por essa noite.

X

A quadra do colégio, que estava sendo usada como salão, já recebia os primeiras pessoas, dentre elas Bárbara e Pedro:

- Eu sou muito idiota mesmo em obedecer o seu horário. Olha só, não tem ninguém aqui ainda. - Reclama Pedro.

- Como não tem ninguém? Olha só quanta gente.

Ele bufa.

- Olha, não quero ver você fazendo corpo mole na hora de dançar, não.

- Tenha dó.

X

Assim que Laura percebeu que Marcelo não estava indo na direção do colégio, ela se desesperou. Alguma coisa estava muito errada. Pediu para que ele explicasse o que estava acontecendo, o que ele queria e onde estava Fernando. E ele repetia a mesma história: Uma surpresa, ele quer te fazer uma surpresa. Mas Laura não era boba, desconfiava de tudo e não conseguia mais acreditar naquilo, se que alguma vez chegou a acreditar. Insistia em pedir explicações, até que Marcelo cansou da pose de bom moço e gritou toda a verdade:

- Cala a boca!

- Você lembrou de tudo, né?

- Não é que eu tenha lembrado de tudo, o fato é que eu nunca esqueci.

- Como assim, você fingiu esse tempo todo?

- Pra você ver o meu nível de esperteza e inteligência. Agora eu só preciso terminar o que tinha começado quando o seu namoradinho, que Deus o tenha, me enterrou vivo!

- Marcelo, onde está o Fernando?

- O Fernando? Ah, sim, esqueci de te contar. O Fernandinho está morto. E sabe quem matou ele? Eu! Eu matei aquele desgraçado e fiz questão de enterrá-lo só pra garantir que ele não acordaria, por algum milagre, e se arrastaria para pedir ajuda.

- Você não fez isso. Você não seria monstruoso a esse ponto?

- Monstruoso, Laura? É sério que você está horrorizada? E o que dizer de uma irmã que mata a outra? Não acha isso tão monstruoso quanto ou até mais?

Laura engole em seco enquanto Marcelo, totalmente fora de si, continua dirigindo pela estrada escura e deserta. Novamente a cena de Bianca morta invade sua memória, perturbando-a. Laura enxerga a imagem da irmã surgindo ao longo da estrada. Arrependida ou não, ela fez aquilo. Nada justificava. Era sua irmã e existia amor entre elas, isso devia estar acima de qualquer outra coisa, de qualquer raiva que pudesse existir. Bianca nunca teve culpa do amor que foi negado a Laura. Tirar a vida de alguém... Quem tem esse direito? E quando esse alguém é sua própria irmã? Sua irmã gêmea, que esteve ao seu lado desde os primeiros segundos de sua existência.

A estrada se prolongava.

Uma pessoa capaz de cometer uma coisa perversa dessas não merecia ser feliz, não merecia nem mesmo continuar vivendo.

- Nenhum de nós dois merece. - Ela sussurrou.

Laura olhou para Marcelo. Pensou mais um pouco em todas as coisas, na irmã, na morte, em pecado... Ela se enfiou na frente da direção e atrapalhou Marcelo, fazendo o carro rodopiar várias vezes na estrada e capotar na encosta logo em seguida.


Ela precisa voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora