CAPÍTULO DEZOITO - O começo da tempestade

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Era aniversário de dez anos das meninas.

Bianca acordou mais cedo, tinha uma surpresa para a irmã. Pegou o embrulho que estava embaixo da cama e o colocou com cuidado ao lado do travesseiro de Laura, dando-lhe um beijo na testa, e como a garota tinha sono leve, logo despertou e viu Bianca abrir um sorriso largo e o embrulho prateado:

- Feliz aniversário! – Disse Bianca, abraçando a irmã.

- Feloz aniversário para nós. E o que é este presente?

- Abra!

- Mas eu não tenho nada pra te dar.

- Não seja boba.

Laura abriu e tirou lá de dentro um par de sandálias, sorriu, meio que querendo esconder um choro engasgado:

- Mas são as sandálias que mamãe comprou pra você e eu disse que achei muito bonitas.

- Sim, são elas. E eu trabalhei toda noite para fazer esse salto. – Uma sandália do par tinha uma base, que era para Laura andar com perfeição quando a usasse, sem mancar.

Laura sempre considerou aquele aniversário o melhor de todos.

***

- É aqui. – Falou Diana.

Helena se aproximou da casa de Izabel, olhando ao redor, tudo cercado por mata, dava pra ouvir o rio, que fazia o barulho de uma tempestade se aproximando. Atravessou a porta mal colocada, viu a mesa feita de varas onde a louça descansava, provavelmente para secar, o pote de barro, o fogão à lenha, as ervas secas penduradas.

Caminhou um pouco mais, com o piso de madeira rangendo sob seus pés:

- Izabel? Thirza?

Era a voz de Laura, então Helena seguiu na direção de onde ouviu e se deparou com a filha deitada na cama, a barriga de uma grávida prestes a dar a luz, e simplesmente falou:

- Te achei, sua maldita!

X

Depois de ter contado toda a história para a mãe sobre ter visto na cabeça de Laura suas lembranças de como tinha matado Bianca, Thirza sugeriu que o melhor seria pedir que ela fosse embora:

- Não vou fazer isso. Mesmo que eu esteja muito chocada com a crueldade dela. Prometi que iria ajudá-la e vou!

Uma nuvem carregada surgiu no céu, a sábia nem tinha se dado conta de que uma tempestade ameaçava cair, mas quando percebeu, desejou que aquilo não acontecesse, nunca havia pedido tanto para que uma chuva não caísse. Pegou o cesto e tomou o caminho de casa:

- Vamos, menina!

- Por que a pressa, mãe?

- Olha a chuva que tá chegando. O mundo vai desabar, mas é de verdade. Não pode chover, Thirza, não pode!

X

Começava a serenar.

Fernando e Marcelo estavam distantes, andavam a cavalo, Marcelo já cavalgava com destreza:

- Acho que vai cair uma chuva daquelas. Melhor voltarmos pra casa. – Disse Fernando. – Ainda mais que já está pra anoitecer.

- Verdade! Vamos?

Os dois saíram em disparada para que chegassem em casa antes de cair aquele toró. Foram alcançados quando já estavam bem próximos da casa de Fernando. Então eles saltaram, já um pouco molhados:

- Foi por pouco, viu, cavaleiro! – Fernando brincou.

- Bem que eu ia gostar, deve ser bom andar a cavalo no meio da chuva.

- Você tá indo muito bem nas aulas, hein. Se continuar assim, logo vai montar melhor que eu.

- Melhor que você? Será que eu chego lá?

- Você duvida?

E eles entraram dentro de casa, a mãe de Fernando preparava um café e eles sentaram à mesa para esperar ficar pronto:

- Você é o meu melhor amigo, Fernando. – Marcelo disse, do nada.

Fernando olhou para a mãe, que de tão sentimental já tinha lágrimas nos olhos, depois voltou-se para Marcelo e falou:

- Você também é um grande amigo pra mim.

X

A chuva impediu que Izabel e Thirza pudessem atravessar o rio, estavam ilhadas do outro lado, a correnteza era forte:

- E agora, mãe?

- Nós precisamos voltar pra casa de qualquer jeito.

- Se a gente entrar aí nós seremos carregadas!

X

- O que a senhora faz aqui, mãe?

- Que gravidez é essa? Que coisa estranha está acontecendo com você? Eu sabia que você não era algo bom, isso é o demônio vivendo em ti!

- Não fale um absurdo desses!

Helena se aproximou mais de Laura e a segurou pelos cabelos, dando-lhe vários tapas seguidos:

- Por que você está fazendo isso? – Laura perguntou.

- Você é uma maldita! Maldita! Como teve coragem de matar sua própria irmã?

Laura sentiu uma pontada forte na cabeça, logo não acreditando no que estava ouvindo.

Como sua mãe tinha ficado sabendo? Como?

A chuva lá fora ficava cada vez mais forte.

Diana decidiu abandonar Helena e pegou o caminho da mata em meio a tempestade. À certa altura do caminho, teve certeza de que vira Bianca, que corria muito rápido, se escondendo atrás de árvores e arbustos. Mas dessa vez, Diana sentiu muito medo. Tanto medo que ficou travada, não conseguindo dar mais nenhum passo. Teve vontade de chamar o nome de Bianca, mas lhe faltou coragem. Foi se agachando, até sentar-se na lama, abraçando as pernas e tremendo muito. Agora ouvia risadas horripilantes que, tinha certeza, não eram de Bianca, e vultos para lá e para cá. Vultos brancos e de cabelos pretos. Já estava completamente molhada. E no instante que fechou os olhos, sentiu que estava se afogando. Voltou a abri-los rapidamente, se vendo, para seu desespero, dentro do rio, olhou a margem ao longe, com a chuva ainda caindo. Mas o rio não estava normal, tinha tons vermelhos, passou por sua cabeça que ela poderia estar sangrando, mas seu susto maior foi ver um corpo surgir lá do fundo bem ao seu lado, um corpo ensaguentado. Era o cadáver do homem que vendia maconha, Diana reconheceu.

Tentou desesperadamente nadar para fora, mas se sentia presa. Tentou, até ficar bastante cansada. Sentiu que ia desmaiar. Fechou os olhos. Manteve eles fechados, sentindo seus movimentos lentos, por estar submersa. E quando abriu os olhos novamente, já estava sentada no meio da vereda com toda aquela chuva que continuava caindo.

Só levantou, com as pernas cambaleantes, e saiu correndo.

E diante da mãe, diante do que já não se podia negar, Laura não hesitou em esbravejar tudo o que guardava por tanto tempo. Falar sobre a dor de não receber uma gota de amor parecia um grito que vinha de suas entranhas:

- A culpada de tudo isso é você! Pois foi você, sempre você que me colocou de lado, quem sempre foi mais cruel, quem sempre fazia questão que eu soubesse que entre mim e Bianca havia uma diferença. Eu cresci triste, e essa tristeza foi se transformando em ódio... Eu achei que precisava do seu amor para ser feliz, mas hoje vejo que é o seu sofrimento que me alimenta! Se você não me considera como filha, então você não é mimha mãe!

- Eu tenho nojo por saber que você saiu de dentro de mim! Você não é minha filha! Eu nunca quis que houvesse vínculo entre nós duas, pois você é uma maldição, minha maldição... O castigo que todos disseram que viria. Quando eu te olho só enxergo aquilo! E me faz mal!

Laura não sabia do que Helena estava falando, só via ela abaixar-se, as lágrimas rolando, as unhas cravadas no rosto. Sua mãe estava perturbada.

"MINHA MALDIÇÃO..."

Ela precisa voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora